Incorporação horizontal

I – Introdução

1. Também conhecida como “Incorporação Linha a Linha” esta ocorrência surge ou decorre de procedimentos contábeis empregados por ocasião dos atos societários perpetrados sob os ditames jurídicos comerciais do instituto da Incorporação de Empresas, quando praticados dentro de um mesmo conglomerado econômico financeiro. Fundamentalmente consiste em majoração de saldos credores de certas contas do Patrimônio Líquido da sociedade Incorporadora, mediante a agregação do saldo proveniente da contabilidade da sociedade Incorporada. Dito de outra forma: a contrapartida do acervo líquido incorporado não é registrada integralmente na conta de Capital Social e sim distribuída por várias contas do Patrimônio Líquido, pela via de apropriação de saldos contábeis rubrica a rubrica.

2. Há quem diga que tal procedimento contábil não afronta qualquer norma legal tributária e se consubstancia em verdadeiro planejamento tributário, visto que, resulta em vantagens fiscais comparativas em relação ao procedimento comercial geralmente levado a efeito nestas situações de incorporação de acervo líquido. No cerne da questão está a ampliação contábil das bases de cálculos dos proventos inerentes às participações societárias: Dividendos e Juros Sobre o Capital Próprio.

II – Do expurgo dos efeitos inflacionários

3. Nos últimos cinqüenta anos a União Federal, na figura de Poder Tributante, vem admitindo a redução da base de cálculo do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas em razão do reconhecimento dos efeitos inflacionários incidentes sobre a formação do lucro líquido das sociedades empresariais. Por questão de direito e de justiça, a lei sempre buscou expurgar, do lucro contábil, a perda do poder aquisitivo da moeda para não tributar mero acréscimo nominal do patrimônio.

4. Por ora recordemos as três técnicas jurídicas vigentes nas últimas décadas com a finalidade antes apontada:

ORDEM DENOMINAÇÃO
a Manutenção de Capital de Giro Próprio
b Correção Monetária de Balanço
C Juros Sobre o Capital Próprio

 

5. Todos estes mecanismos foram introduzidos no ordenamento tributário por normas técnicas, as quais, embora redigidas de forma individuada, buscavam um resultado quantitativo uno. Somente a interpretação e aplicação harmônicas destas regras poderiam e podem respaldar legalmente o efeito desejado. O bem jurídico tutelado é o valor da perda do poder aquisitivo da moeda apurado segundo a disciplina imposta pelo legislador ordinário. Destarte quem pretende buscar esta permissão legal, há de seguir estritamente o estabelecido em Lei, eis que, estamos falando de uma espécie de técnica tributária isonômica que não permite que os iguais sejam contemplados com desigualdade.

6. Por isso mesmo, a boa hermenêutica aponta para a interpretação teleológica destas regras, ou seja, revela-se de suma importância a finalidade do sistema normativo na definição da legalidade ou da ilegalidade da conduta de cada contribuinte. Não há espaço jurídico para se afirmar a legalidade, ou ilegalidade, de certo ato específico, dentre outros necessários à apuração do resultado uno. Legal ou ilegal é o resultado e não cada procedimento de per si.

7. De outro lado, todos nós sabemos que os resultados das técnicas citadas não são idênticos. As técnicas variam na forma e na fórmula de determinação do valor do bem tutelado. Recordemos as diferenças fundamentais:

ORDEM DENOMINAÇÃO
a Manutenção de Capital de Giro Próprio: Apurava-se o Capital Circulante Liquido, fazia-se certos ajustes extra contábeis, previstos em Lei, e, sobre o resultado ajustado aplicava-se certo índice inflacionário percentual. Determinado matematicamente o valor, o mesmo era levado a débito de resultado e creditado diretamente no Patrimônio Líquido da entidade empresarial.
b Correção Monetária de Balanço: Os saldos das contas do Ativo Permanente e do PL eram atualizados por índice inflacionário único, sendo as contrapartidas dos ajustes levadas a uma conta única e especifica do resultado das entidades empresariais.
C Juros Sobre o Capital Próprio: indicada certa taxa de juros – TJLP- ela é aplicada sobre a soma algébrica de saldos de determinadas contas do PL, excluído o saldo da conta Capital. Apurado matematicamente o valor é levado a débito de conta especial de resultado e creditado de forma individuada ou coletiva aos sócios ou acionistas da entidade empresarial. Assim quanto maior forem os saldos destas contas, maior será o valor do JSCP.

 

8. Hoje vigora a técnica tributária dos JSCP, mas, para todos os efeitos tributários, prevalece a rigidez da interpretação normativa.

III – Da incorporação linha a linha

9. Visualizemos o fenômeno da Incorporação Linha a Linha na seguinte representação numérica:

ACERVO LÍQUIDO DA INCORPORADA – VALORES CONTÁBEIS $
(+) ATIVO TOTAL 250.000.000,00
(-) PASSIVO TOTAL 50.000.000,00
(=) PATRIMONIO LÍQUIDO 200.000.000,00
DECOMPOSIÇÃO DO ACERVO LIQUID.
CAPITAL SOCIAL 20.000.000,00
LUCROS ACUMULADOS 180.000.000,00

 

 

ACERVO LÍQUIDO DA INCORPORADORA – VALORES CONT. $
(+) ATIVO TOTAL 20.000.000,00
(-) PASSIVO TOTAL 21.000.000,00
(=) PATRIMONIO LÍQUIDO (1.000.000,00)
DECOMPOSIÇÃO DO ACERVO LIQUID.
CAPITAL SOCIAL 5.000.000,00
PREJUÍZOS ACUMULADOS (6.000.000,00)

 

 

INCORPORAÇÃO: PROCEDIMENTO ORTODOXO
(+) ATIVO TOTAL 270.000.000,00
(-) PASSIVO TOTAL 71.000.000,00
(=) ACERVO LÍQUIDO 199.000.000,00
DECOMPOSIÇÃO DO ACERVO LIQUID.
CAPITAL SOCIAL 205.000.000,00
PREJUÍZOS ACUMULADOS (6.000.000,00)

 

 

INCORPORAÇÃO LINHA A LINHA
(+) ATIVO TOTAL 270.000.000,00
(-) PASSIVO TOTAL 71.000.000,00
(=) ACERVO LÍQUIDO 199.000.000,00
DECOMPOSIÇÃO DO ACERVO LIQUID.
CAPITAL SOCIAL 25.000.000,00
LUCROS ACUMULADOS 174.000.000,00

 

 

TABELA COMPARATIVA ENTRE OS PROCEDIMENTOS CONTABEIS
CONTAS PL ORTODOXO LINHA A LINHA DIFERENÇA
CAPITAL SOCIAL 205.000.000,00 25.000.000,00 180.000.000,00
RES. ACUMULADOS (-6.000.000,00) 174.000.000,00 (-180.000.000,00)
TOTAL DO PL 199.000.000,00 199.000.000,00 ZERO

 

10. É notório que a Incorporação Linha a Linha provocou significa alteração na conta de Prejuízos Acumulados da Incorporadora, transformando o que antes era Prejuízos Acumulados em Lucros Acumulados. Esta metamorfose contábil não pode e não deve influir na apuração jurídica tributária da base de cálculo dos Juros Sobre o Capital Próprio ou mesmo sobre a quantificação dos Dividendos a Distribuir porque os dois institutos são tutelados por normas especiais de tributação.

IV- Do direito privado

11. Do regime jurídico das incorporações de empresas – Lei 6.404/76, arts. 227, 230, 231, 232,234,264- extrai-se o seguinte texto constante do §1º do art. 227:

“A assembléia geral da companhia incorporadora, se aprovar o protocolo da operação, deverá autorizar o aumento de capital a ser subscrito e realizado pela incorporadora mediante a versão de seu patrimônio liquido, e nomear os peritos que o avaliarão”

12. Infere-se do texto normativo que a Incorporação de Empresa pressupõe aumento de capital social de certa sociedade, denominada Incorporadora, mediante entrega, do total da riqueza patrimonial devidamente avaliada, por outra sociedade, denominada incorporada. Não é nenhuma heresia afirmar-se que a Incorporação de Empresa é uma modalidade especial de aumento de capital social em bens, de sociedades empresariais, visto que consumadas a subscrição e a integralização do capital social da Incorporadora, os acionistas da Incorporada passam a ser acionistas da Incorporadora, sem alteração da riqueza jurídica patrimonial de cada acionista. Por isso mesmo é que se costuma tratar a Incorporação de Empresas como mera reorganização societária.

13. Sem mais delongas neste ponto, tem-se que o acervo líquido vertido da incorporada para incorporadora deve sensibilizar a conta de Capital Social da Incorporadora e nunca as demais contas do Patrimônio Líquido desta. O assunto nem é novo. A Receita Federal do Brasil, ainda quando se denominava Secretaria da Receita Federal, através de seu Órgão Central, então denominado Coordenação do Sistema de Tributação, expediu o Parecer Normativo CST nº 462 de 1.971 onde assentava frente ao Direito Comercial da época, os pontos que ora reproduzimos na tabela que segue:

PN CST 462/71 – PN – Parecer Normativo COORDENADOR DO SISTEMA DE TRIBUTAÇÃO – CST nº 462 de 07.07.1971 / D.O.U. 18.08.1971
EMENTA – Incabível a incorporação de empresas tomando-se por base outros valores que não o do patrimônio líquido da incorporada. Tributa-se, como distribuição disfarçada de lucros, a parte do excedente que, sob qualquer forma, couber aos acionistas, sócios ou titulares da empresa extinta sendo, ainda, vedada a compensação de seus prejuízos pela remanescente.
1. Empresa de responsabilidade limitada, pretendendo incorporar outra empresa, esta sociedade anônima, mediante simples apropriação dos saldos das contas constantes do balanço de encerramento da incorporada, inclusive prejuízos, informando antes que ambas possuem como participante maioritária em seus capitais uma mesma empresa estrangeira indaga se correto o seu entendimento de que: não haverá qualquer tributação para os acionistas da incorporada ao receberem um número de quotas igual ao número de ações e de valor também igual; não haverá qualquer tributo para a pessoa jurídica, uma vez que não haverá qualquer alteração nos valores contábeis de qualquer das contas, que simplesmente passarão de uma para outra empresa; poderá utilizar o prejuízo fiscal apurado na declaração de renda anterior da incorporada para compensação contra o lucro real da incorporadora.
2. O expediente das incorporações de empresa tem suas implicações fiscais na órbita do imposto de renda, contempladas nos arts. 222 e 223 do vigente Regulamento do Imposto de Renda (Decreto nº 58.400/66). Prevê o mencionado art. 222. :
Ressalvado o disposto no art. 194. , o imposto continuará a ser pago como se não houvesse alteração nas firmas ou sociedades nos casos de:
a) sucessão na forma da legislação em vigor; b) … c) …
3. Como se observa, para que seja invocada a aplicação da norma contida no retrocitado art. 222. , é requisito imprescindível que a sucessão se dê segundo as prescrições da legislação pertinente. Reporta-se, portanto, a lei fiscal à legislação comercial, a cuja observância condiciona a sua aplicabilidade. (grifamos)
4. Na legislação comercial ocupa-se da matéria o art. 152. e seus parágrafos do Decreto-Lei nº 2.627, de 26/09/40, aplicáveis tanto às sociedades anônimas – por serem seu objeto específico – como às sociedades de responsabilidade limitada, face ao que dispõe o art. 18. do Decreto nº 3.708, de 10/01/19.
5. Preceituam os supramencionados dispositivos legais:
“Art. 152. – A incorporação é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que Ihes sucede em todos os direitos e obrigações.
§ 1º A sociedade anônima incorporadora deverá, em assembléia geral, na forma desta lei, aprovar as bases da operação e o projeto de reforma dos estatutos. As sociedades que houverem de ser absorvidas tomarão conhecimento destes atos e, se os aprovarem, autorizarão os administradores a praticar todos os atos necessários a incorporação, inclusive a subscrição em bens pelo valor que se verificar entre o ativo e o passivo. (grifamos)
§ 2º A assembléia geral da sociedade anônima incorporadora nomeará os peritos para avaliação do patrimônio líquido das sociedades que tenham que ser incorporadas, e, aprovado o laudo da avaliação, promoverão os diretores daquela sociedade o arquivamento e a publicação dos respectivos atos.
§ 3º Os sócios ou acionistas das sociedades incorporadas, aprovado o laudo da avaliação pela assembléia geral da sociedade anônima incorporadora, deverão reunir-se e declarar extintas as sociedades incorporadas, arquivando-se e publicando-se em seguida os respectivos atos, juntamente com os referidos no parágrafo anterior
6. Sem maiores esforços de interpretação, da leitura dos textos legais salta à vista de pronto uma formalidade essencial à realidade do ato jurídico: se efetue a incorporação tendo por base o patrimônio líquido da incorporada, avaliável, inclusive por peritos nomeados. Em última análise, impõe-se à operação a obediência às mesmas formalidades exigíveis na subscrição de capital mediante ingresso de bens. (grifamos)
7. Não obstante a clareza de tais preceitos, positivamente, não os atenderia o procedimento pretendido pela consulente. Isto porque, ao se proceder à incorporação pelo valor do capital nominal da incorporada, sem a devida consideração à existência de prejuízos acumulados, na realidade estar-se-ia atribuindo valor positivo, como patrimonial, a uma parcela de valor negativo, representativa justamente de real decréscimo do patrimônio da empresa. Seria, em síntese, uma subscrição de capital sem correspondência de qualquer ingresso, o que representaria não só uma aberração do ponto de vista econômico, como um atentado nos mandamentos legais de regência (arts. 4º e 152 do Decreto-Lei nº 2.627/40 e 287 do Código Comercial Brasileiro).
8. Por conseguinte, incabível tal procedimento segundo os cânones da legislação comercial, para efeitos fiscais, também não poderá prosperar sob amparo do dispositivo invocado (art. 22. do Regulamento do Imposto de Renda). Bem ao contrário, submeter-se-á a pretensa incorporadora a restrições e sanções face ao que, em verdade, equivalerá à operação.

V- Conclusão

14. A Incorporação de Empresa (também denominada incorporação de acervo líquido) é um ato jurídico complexivo (dependente do encadeamento lógico de vários atos válidos) e solene ( forma especial de contratação de observação obrigatória). Portanto todas as formalidades do ato devem ser observadas, a ponto de afirmar-se que não existe incorporação de fato. Formalizada a incorporação, desaparece do universo jurídico a pessoa da incorporada, sendo que seus direitos e obrigações são transferidos por sucessão universal à incorporadora.

15. Ora esta figura da sucessão universal de direitos e obrigações não deve levar o operador do direito a equívocos. Os direitos e obrigações referidos, na sucessão, dizem respeito àquelas relações jurídicas existentes no momento da consumação da incorporação em que a pessoa jurídica da incorporada estava presente como contraparte, isto é como credora ou devedora, ou como titular de direitos aperfeiçoados. De longe não se cogita em sucessão de regime jurídico. Não há direito adquirido em matéria de regime jurídico, aliás, como já decidido pelo Supremo Tribunal Federal.

16. Subscrito e integralizado o capital social da incorporadora, na forma da Lei, será esta posta como destinatária dos regimes jurídicos que lhe aprouverem, segundo suas próprias qualificações jurídicas, econômicas, societárias e contábeis. Não mais há relevância na situação antes existente na incorporada. Destarte se a incorporada dispunha de Lucros Acumulados em seu Patrimônio Líquido e sobre este saldo pudesse calcular Juros Sobre o Capital Próprio, não significa que a Lei Comercial ou Tributária autorize o mesmo procedimento na incorporadora, caso esta incorporadora não disponha de lucros acumulados. Não nos esqueçamos que durante o processo de incorporação a figura dos “lucros acumulados”, presentes na incorporada, desaparece do mundo jurídico para ser substituída por outro conceito legal, que é o do Patrimônio Líquido Vertido (acervo líquido). Enfim, subscreve-se e integraliza-se capital social com bens e direitos, reduzidos devidamente pelas obrigações, e não com rubricas contábeis.

17. Queremos crer que não há planejamento tributário na incorporação linha a linha e sim ilegalidade tributária de conduta se houver majoração das bases de cálculo dos Juros Sobre Capital Próprio ou mesmo aumento indevido dos Dividendos a Distribuir. A forma contábil de registro de negócios societários não tem o condão de alterar a dimensão financeira de institutos jurídicos arquitetados de forma rígida e isonômica. Não se pode confundir a liberdade de contratar e contabilizar com a inobservância de normas cogentes nestas matérias.

- Publicado pela FISCOSoft em 03/05/2010

RENZO & SEWAYBRICK ASSESSORIA E CONSULTORIA TRIBUTÁRIA LTDA

Dr. Jeferson Roberto Nonato

 

 

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