Vendas a descoberto. Empréstimos de ações. Tributação da renda fixa e da renda variável.

Introdução

O investidor em renda variável, pessoa física ou jurídica, pode vender um ativo sem dispor da titularidade jurídica de propriedade deste ativo. Em outras palavras, o investidor vende o que não tem em sua carteira, com a intenção de fazer dinheiro de imediato, ou, estruturar alguma operação de seu interesse. Em se tratando de ações cabe, então, a seguinte indagação: Tendo-se por premissa básica que existe um número certo e definido de ações em circulação, como é possível alguém vender o que não tem? A resposta a esta questão aritmética é posta pelo mundo jurídico dos negócios contratuais que possibilita o ingresso na posse dos ativos vendidos a descoberto pelo instituto legal do Empréstimo de Ações.

O Empréstimo de Ações permite a estruturação de várias operações que são abertas por venda a descoberto. Pode-se fazer uma operação “day trade”, abrindo a posição pela venda a descoberto com o compromisso de recompra do mesmo ativo, no mesmo dia; pode-se fazer uma operação “long-short” abrindo a posição pela venda a descoberto de um ativo “x” com o propósito de compra do ativo “Y” que se espera apresentar maior rentabilidade que o ativo “x”; pode-se simplesmente tomar ações emprestadas para vendê-las no mercado a vista e com o produto da venda liquidar uma outra operação precedente tal qual uma operação a termo.

O Empréstimo de Ações também pode viabilizar operações nos mercados de liquidação futura, como tomar ações por empréstimo para garantir o lançamento a descoberto de opções de compra (“Calls”).

Empréstimo de ações: Conceito

O negócio de Empréstimo de Ações amolda-se ao disposto em nosso Código Civil (Lei nº 10.406 de 2.002) que classifica os empréstimos em comodato e mútuo, sendo este último próprio para coisas fungíveis, nos seguintes termos:

Art. 586. O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade.
Art. 587. Este empréstimo transfere o domínio da coisa emprestada ao mutuário, por cuja conta correm todos os riscos dela desde a tradição.

(…)
Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual.
Art. 592. Não se tendo convencionado expressamente, o prazo do mútuo será:
III – do espaço de tempo que declarar o mutuante, se for de qualquer outra coisa fungível.

Advirta-se que a definição jurídica de Empréstimo não se confunde com a definição jurídica de Locação (Lei nº 10.406 de 2.002 art. 565); remunera-se o empréstimo econômico com juros, enquanto, na locação a remuneração é o aluguel. Tal distinção assume particular importância para fins tributários, eis que, os juros se submetem à disciplina tributária das operações financeiras de renda fixa e o aluguel às disciplinas de tributação das pessoas físicas ou das pessoas jurídicas, conforme o caso.

Operadores dos mercados, financeiro e de capitais, costumam se valer da expressão “Aluguel de Ações” para indicar a seus clientes que eles poderão auferir certa remuneração, cedendo o uso de seus ativos, por tempo determinado. Em verdade cuida-se de uma gíria profissional (jargão), pois, não há a possibilidade jurídica de se alugar ações como coisas fungíveis que são.

O Empréstimo de Ações é um contrato tripartite em que, no pólo ativo, figura o Emprestador (também chamado no mercado de Doador), como Contraparte Central, figura a CBLC – Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia – e no pólo passivo figura o Tomador.

A particularidade desta modalidade de contrato é que o Emprestador não tem nenhum vinculo jurídico com o Tomador. Tanto o Emprestador como o Tomador resolverão juridicamente seus negócios contra a CBLC. Por sua vez, a CBLC dispõe de um serviço especial de empréstimos de ativos onde as ofertas dos Emprestadores e Tomadores só se concretizam mediante a prestação de garantia (100%) e de margens (parcelas destinadas a cobrir riscos inerentes às variações de mercado) estabelecidas para cada ativo elegível (ativo que pode ser objeto de empréstimo).

A remuneração do Emprestador é definida em termos de taxa de juros capitalizados por período anual. Hoje a remuneração média do mercado de aluguel de ações está por volta de 0,5% ao ano (meio por cento ao ano), sendo que a CBLC pode aceitar os contratos conhecidos como diferenciados onde o Emprestador e o Tomador ajustam condições especiais antes do registro.

Durante a vigência do mútuo, todos os eventos que afetam os ativos emprestados são controlados pela CBLC. Assim se a companhia emissora das ações emprestadas pagar dividendos, a CBLC entregará estes valores à Corretora que intermediou o negócio para que esta entregue ao seu cliente Emprestador. Mais detalhes operacionais o leitor poderá encontrar no capítulo VI do Manual de Procedimentos Operacionais da CBLC, sitio www.cblc.com.br.

Tributação do emprestador

Em maio de 2.007, a Receita Federal do Brasil – RFB – expediu a Instrução Normativa nº 742 visando estabelecer a tributação e a forma de apuração dos valores imponíveis nos empréstimos de ações.

Segundo consta do artigo 1º deste ato normativo, a remuneração do emprestador se qualifica como renda fixa e como tal deve ser tributada na fonte, cabendo tal responsabilidade tributária à CBLC que assume o papel de fonte pagadora.

A norma constante do artigo 2º desta IN se destina à fonte pagadora, declarando, ainda, que os proventos atribuídos às ações (dividendos e JCP), no decurso do contrato do empréstimo, não devem ser considerados rendimentos do emprestador e sim reembolso parcial do capital emprestado. Assim se esta parcela não é considerada rendimento deve ela ser expurgada da base de cálculo do imposto de fonte.

Caberá a fonte pagadora determinar o valor deste expurgo eis que podem ocorrer duas situações distintas. A primeira situação se manifesta quando o Emprestador, em razão de imunidade ou isenção, não está sujeito a tributação de fonte incidente sobre os JCP. Nesta situação o expurgo será feito pelo valor integral dos proventos atribuídos aos ativos. A segunda situação se manifesta quando o Emprestador está sujeito à incidência de fonte que ocorre quando do pagamento dos JCP. Para estes casos o expurgo será feito pela soma da parcela dos dividendos, mais a parcela dos JCP reduzida do valor que seria devido pelo Emprestador, a titulo de IRFON, caso recebesse esta verba diretamente.

Este ajuste se perpetra na determinação do capital líquido emprestado cuja figura se admite apenas no campo tributário. Portanto, se algum investidor quiser conferir o procedimento de determinação do valor do imposto retido pela fonte pagadora deve ficar atento a este expurgo.

Cabe advertir, também, que o Emprestador não deve fazer nenhuma alteração no controle dos ativos em carteira, ainda que parte ou a totalidade dos ativos esteja sendo empregada em contratos de empréstimos. Os empréstimos não são considerados vendas de ativos assim como as devoluções de empréstimos não são consideradas compras de ativos para fins de avaliação a preço médio de aquisição da carteira de ações.

O “caput” do art. 4º da IN RFB nº 742 de 2.007, de forma absolutamente incontroversa, declara que a devolução dos ativos da mesma espécie dos que foram emprestados não constitui fato gerador do imposto de renda sobre ganhos líquidos (fato imponível da renda variável) para o emprestador. Em outras palavras, quando o emprestador recebe do tomador os mesmos ativos emprestados para a finalização do negócio, não há nem ganho e nem perda para o emprestador. Porém, caso o contrato de empréstimo seja liquidado por meio de entrega de numerário, o emprestador deverá apurar o ganho líquido auferido na alienação dos ativos emprestados, computando, como “ganho líquido auferido”, a diferença positiva entre o valor recebido em dinheiro e o custo médio dos ativos alienados (Parágrafo único do art. 4º da IN RFB 742 de 2.007). Esta tributação, como renda variável, em nada se confunde com a tributação da renda fixa imposta sobre a remuneração do empréstimo; acontecem as duas incidências sobre materialidades diferentes.

Liquidado o empréstimo em dinheiro, o emprestador deverá sensibilizar o controle de estoque de suas ações, fazendo a baixa das ações alienadas, na data do recebimento do produto da alienação e não na data do empréstimo.

Tributação do tomador

Efetuada a “venda a descoberto” o tomador deverá providenciar o registro do feito em controle construído especialmente para esta finalidade, anotando as seguintes informações:

POSIÇÃO VENDIDA
CONTA DATA ATIVO QUANTIDADE PREÇO MÉDIO VALOR
Depósito 13/09/2010 Petr4 10.000 28,20 R$ 282.000,00

 

Conta creditada na Corretora: Conta depósito ou conta investimento

Data: Data da abertura da posição

Ativo Objeto: Ativo que foi tomado por empréstimo

Quantidade: A quantidade vendida a descoberto

Preço Médio: Preço médio das execuções da ordem de venda

Valor de Abertura: Valor correspondente à venda dos ativos emprestados.

Estes ativos não podem e não devem ser acrescidos à carteira do investidor no caso em que este investidor tenha titularidade de propriedade dos mesmos ativos alugados. Todavia outros ativos adquiridos com o produto da “venda a descoberto”, serão ordinariamente inseridos na carteira do investidor como se ele os tivesse adquirido com recursos próprios.

De outro lado, quando forem comprados ativos da mesma espécie daqueles tomados por empréstimo, visando o encerramento do negócio, o investidor deverá proceder ao registro do encerramento da Posição Vendida, anotando no controle especial as seguintes informações:

POSIÇÃO COMPRADA
DATA QUANTIDADE PREÇO MÉDIO VALOR
04/10/2010 10.000 27.50 R$ 275.000,00

 

Data da Compra: A data em que se efetivou a compra dos ativos a serem devolvidos;

Quantidade: A quantidade de ativos comprados

Preço Médio: O preço médio das execuções da ordem de compra;

Valor da Posição Comprada: O valor total da compra dos ativos emprestados.

Constitui-se ganho líquido em renda variável a diferença positiva entre o valor da posição de abertura da venda a descoberto e a posição de encerramento da venda a descoberto. Em se tratando abertura de posição e encerramento no mesmo dia, a operação será considerada “Day trade” sujeita a incidência da alíquota especial de 20% sobre o ganho líquido.

Com os dados exemplos apresentados, o investidor deve, ainda, finalizar a apuração do ganho líquido com os seguintes procedimentos:

Valor da Posição de Abertura (+) 282.000,00
Valor da Posição de Encerramento (-) 275.000,00
Ganho Bruto na Operação (ou Perda) 7.000,00
Corretagens 2.785,00
Emolumentos 300,00
Juros do Empréstimo (*) 1.410,00
Ganho Líquido Tributável 2.505,00

 

(*) Meio por cento do valor médio dos ativos na data do empréstimo.

Nos casos em que os ativos tomados por empréstimos, são alienados, como acima demonstrado, aplica-se o disposto no art. 3º da IN RFB. Este dispositivo cuida única e exclusivamente dos casos de alienação dos ativos tomados por empréstimo. Tal restrição do campo de incidência tem lugar porque o tomador pode simplesmente utilizar os ativos emprestados para cobertura de outras operações praticadas.

Por fim há de se assentar que os gastos efetuados com os juros do empréstimo de ações têm tratamentos diferenciados; em se tratando de pessoa jurídica os juros pagos serão considerados despesas operacionais estando assegurada a dedutibilidade total do valor pago. No caso das pessoas físicas o valor a ser considerado como custo da operação fica limitado ao valor do ganho bruto auferido porque não se pode por via indireta transformar a natureza jurídica dos juros excedentes em perda auferida em renda variável. Lembramos que para as pessoas físicas há uma permissão de redução do valor do ganho, até o valor deste, pelos valores dos gastos incorridos.

- Publicado pela FISCOSoft em 20/09/2010

 

RENZO & SEWAYBRICK ASSESSORIA E CONSULTORIA TRIBUTÁRIA LTDA

Dr. Jeferson Roberto Nonato

 

 

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