Absorção em penalidades

PENALIDADES NA IMPORTAÇÃO DE MERCADORIAS ESTRANGEIRAS

 

O tema vem sendo enfrentado por julgadores e estudiosos do assunto, e tudo indica que ainda não se chegou a um denominador comum. Por isso a razão desta manifestação como possível interpretação da disciplina.

 

INTERPOSIÇÃO FRAUDULENTA DE PESSOAS NO COMÉRCIO EXTERIOR

 

Dano ao erário é figura jurídica prevista constitucionalmente que implica em perda dos direitos de propriedade, pela aplicação da pena de perdimento.

 

Considera-se dano ao erário, a ocultação do sujeito passivo, a ocultação do real comprador ou a ocultação do responsável pela operação, no caso de importação de mercadorias estrangeiras, mediante fraude ou simulação, inclusive a interposição fraudulenta de terceiros (DL nº 1.455 de 1.976, art. 23, inciso V).

 

Fraude e simulação são defeitos dos atos jurídicos que os tornam nulos perante o ordenamento- CC art. 166 e seguintes-, e, portanto, deverão ser desconsiderados pela Administração Aduaneira. Fraude e simulação não se presumem, devem ser provadas à saciedade. Entre as hipóteses de simulação relativa, vamos encontrar a simulação por interposta pessoa assentada no inciso I do §1º do art. 167 do Novo Código Civil. Então é se perguntar: Porque o legislador ordinário incluiu no texto do art. 23 do DL nº 1.455 de 1.976 (- Lei 10.637 de 2.002 / MP nº 66 de 2.002, art. 59-) a expressão inclusive a interposição fraudulenta de terceiros”; Teria o legislador ordinário criado uma nova hipótese de desconsideração dos atos privados, além da fraude e da simulação?

 

Queremos crer que a resposta a estas indagações é uma só: na espécie não houve a criação de uma nova hipótese de desconsideração dos atos privados; efetivamente o legislador ordinário, atuou no campo das provas, ou seja, introduziu no ordenamento jurídico um recurso processual, tal qual como está descrito no §2º do art. 23 do DL nº 1.455 de 1.976, verbis:

 

§ 2º Presume-se interposição fraudulenta na operação de comércio exterior a não comprovação da origem, disponibilidade e transferência dos recursos empregados.

 

Salvo melhor juízo, temos uma modalidade de prova indireta, apta a confirmar a ocorrência de ocultação do real interessado na operação, que é o fato punível com a pena de perdimento.

 

Na linha desta dedução hermenêutica não existem duas hipóteses de importação fraudulenta: a provada e a presumida. O fato punível é uno, sendo diversa a forma de se provar a ocorrência no mundo do direito. De qualquer sorte, para a final caracterização do dano ao erário, e aplicação da pena de perdimento, restam desconsiderados os atos e negócios jurídicos apresentados pelos particulares, inclusive a declaração cadastral da pessoa interposta.

 

 

CESSÃO DE NOME NO INTERESSE DE TERCEIROS

 

 

De outro lado, no mundo real das coisas o legislador ordinário identificou situações em que os negócios jurídicos apresentados pelos particulares guardavam conformidade com todo o ordenamento, superando os testes de validade da fraude, da simulação e da capacidade financeira, e, mesmo assim, terminavam por acobertar o real interessado. Cuida-se da hipótese de cessão de nome e de documentos próprios, por instituições idôneas e com capacidade financeira para realizar as operações de importação de mercadorias estrangeiras, de interesse de terceiros (caso da importação por encomenda, não declarada).

 

Sobreveio então o que disposto no art. 33 da Lei nº 11.488 de 2.007, colacionado:

 

 

Art. 33. A pessoa jurídica que ceder seu nome, inclusive mediante a disponibilização de documentos próprios, para a realização de operações de comércio exterior de terceiros com vistas no acobertamento de seus reais intervenientes ou beneficiários fica sujeita a multa de 10% (dez por cento) do valor da operação acobertada, não podendo ser inferior a R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

Parágrafo único. À hipótese prevista no caput deste artigo não se aplica o disposto no art. 81 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996.

 

 

Apreende-se que texto legal descreve o tipo penal sem nenhuma alusão, direta ou indireta, às condutas fraudulentas ou simuladas. Efetivamente é um tipo penal autônomo que estabelece certa e precisa antijuridicidade da conduta e impõe pena pecuniária, correspondente e proporcional ao valor da operação; nada tem a ver com a pena de perdimento aplicada ao dano ao erário. Trata=se, assim, de penalidade administrativa que visa tutelar a boa administração aduaneira.

 

Afirma-se esta dedução pelo próprio Parágrafo único do preceito em foco, que afasta, na hipótese, a aplicação do disposto no art. 81 da Lei nº 9430 que estabelece os casos de Declaração de Inaptidão de Inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas. È evidente, então, que não se cuida de desconsideração de atos e negócios antecedentes.

 

 

PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO EM MATÉRIA DE DIREITO PENAL

 

 

Em situação de dano ao erário, caracterizado pela Interposição Fraudulenta de Pessoas, aplica-se a pena de perdimento, ou, se for o caso de impossibilidade de apreensão da mercadoria, a pena pecuniária equivalente a 100% do valor aduaneiro, tudo conforme o disposto nos §§1º e 3º do art. 23 do DL nº 1.455 de 1.976, com as redações que lhe foram dadas pelas Leis nº 10.637 de 2.002 e 12.350 de 2.010. O apenado é o real interessado.

 

Esta é a norma impositiva para este tipo penal cerrado, que somente se consuma pela interação de atos e condutas que lhe antecedem, como meio ou veículo de se atingir o objetivo final que é ludibriar as autoridades aduaneiras. Na espécie, então, não se pode afastar o Princípio da Consunção (também chamado de Princípio da Absorção), que deve ser aplicado para dirimir as questões de normas penais concorrentes. Neste sentido, inclusive, já se pronunciou o E. Superior Tribunal de Justiça, quando da edição da Súmula nº 17; confira-se:

 

“Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido”.

 

Simetricamente, então, poderíamos afirmar: a prova da consumação do dano ao erário, na modalidade de interposição fraudulenta de pessoas, e sua conseqüente penalização, absorve a penalização por cessão do nome para acobertamento do verdadeiro interessado pela pessoa interposta, tendo em vista o exaurimento do falso na própria fraude, tida por ato final punível. Assim descabe a aplicação concomitante das penalidades previstas no art. 23 do DL nº 1.455 de 1.976 com a penalidade prevista no art. 33 da Lei nº 11.488 de 2.007, porque os ilícitos são excludentes.

 

Especificamente quanto à Declaração de Inaptidão na Inscrição no Cadastro Nacional das Pessoas Jurídicas temos que tal providência é ato administrativo necessário e conseqüente, da desconsideração dos negócios jurídicos apresentados pelos particulares, a ser suportado pela pessoa interposta.

 

Este ato é parte do todo, posto pela interação de regras que compõe uma única norma jurídica. Por isso tal efeito é indissociável da figura do dano ao erário, deixando de ser aplicado somente em situações juridicamente fundamentadas, como é o caso, por exemplo, de pessoas jurídicas em situação de contencioso administrativo instaurado por Impugnação de Auto de Infração ou por Parcelamento de Débitos devidamente concedidos; seria um absurdo declarar-se uma pessoa jurídica inexistente de fato, se a própria Administração estabeleceu relação jurídica com a suposta pessoa jurídica inidônea.

 

Em 11 de novembro de 2011.

 

 

RENZO & SEWAYBRICK ASSESSORIA E CONSULTORIA TRIBUTÁRIA LTDA

Dr. Jeferson Roberto Nonato

 

FOMENTO MERCANTIL NO BRASIL; NOVAS PERSPECTIVAS; POSSÍVEIS CONFLITOS.

Desde 2.005, na Câmara Federal – Comissão de Finanças e Tributação-, tramita o Substitutivo ao Projeto de Lei nº 3.615 de 2.000 – e o apensado Projeto de Lei nº 3.896 de 2.000- relatado pelo então deputado José Militão, do PTB de Minas Gerais, que pretende estabelecer um arcabouço normativo especial para a atividade de fomento mercantil em nosso País, tendo em vista que a evolução dos negócios, neste segmento econômico, não pode mais depender de meras referências da legislação tributária ou bancária. A pretensão deste trabalho é analisar os novos conceitos e as novas possibilidades jurídicas de atuação das “factorings”, antevendo os desdobramentos na área tributária, bem como certos conflitos ainda não resolvidos.

 

A NOVA LEI E AS FACTORINGS JÁ EXISTENTES.

Caso seja aprovada a nova Lei, o projeto prevê que todas as empresas já existentes deverão cumprir as exigências postas, em nova ordem, para continuidade de suas atividades, num prazo de 180 dias (art. 15).

 

SOCIEDADE DE PROPÓSITO ESPECÍFICO.

A sociedade poderá ser constituída sob a forma de sociedade por cotas de responsabilidade limitada ou de sociedade por ações, mas sempre terá por objeto social exclusivo a prática do fomento mercantil, sendo ainda obrigada a usar a expressão “Fomento Mercantil”, ou “Fomento Comercial” em sua denominação empresarial (arts. 5º e 6º).

 

AUTORIZAÇÃO E SUPERVISÃO DE FUNCIONAMENTO.

Caberá ao Poder Executivo indicar determinado órgão de sua estrutura administrativa para autorizar a abertura de sociedades de fomento mercantil bem como atuar na supervisão das atividades e na aplicação de penalidades (art. 11). Esta mitigação do livre exercício de atividade econômica está amparada no Parágrafo Único do art. 170 da Constituição Federal. Tudo leva a crer que estas funções afetas ao Poder Executivo serão levadas a efeito de maneira similar ao que ocorre hoje com a supervisão bancária e a supervisão do mercado de capitais. Decorre daí que muitas informações serão prestadas de forma contínua ao órgão supervisor- demonstrações financeiras, relatórios contábeis analíticos, atos societários e outros- o que por sua vez implicará em significativa mudança na gestão das empresas e nos investimentos na área contábil.

 

EMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS

Como regra geral está vedado às sociedades de fomento mercantil a captação de recursos do público em geral (inciso III do art. 10). Todavia a nova Lei abre a possibilidade de captação de recursos pela emissão de valores mobiliários, sendo omissa quanto ao órgão que deva autorizar esta emissão.

 

AS PENALIDADES E O PROCESSO ADMINISTRATIVO.

Segue em forma de tabela as sanções previstas no Projeto:

 

ARTIGOS PENA TIPIFICAÇÃO
12 Reclusão e multa Atuar sem a devida autorização
13 Reclusão e multa Conceder empréstimos ou financiamentos
14, inciso I Advertência Infrações à Lei ou ao Regulamento a ser baixado, sem pena especifica estabelecida; prestação de informações inexatas; atrasos na escrituração; infringência de normas de serviço
14, inciso II Multa pecuniária variável até R$200.000,00 Reincidência e embaraço a fiscalização
14, inciso III Inabilitação temporária para o exercício de cargos Infração grave na condução dos negócios a depender ainda de presunções especificas.
14, inciso IV Cassação da autorização de funcionamento Quando a denominação fomento mercantil for utilizada para realização de operações estranhas ao objeto social

IMPUGNAÇÃO À IMPOSIÇÃO DE PENALIDADES E RECURSO ADMINISTRATIVO COM EFEITO SUSPENSIVO

ARTIGOS PRAZOS ATOS
§§ 5º e 6º do art. 14 15 dias da Notificação Pagar ou Impugnar
Idem 15 dias da ciência da Decisão de Primeira Instância Pagar ou Interpor Recurso Administrativo em caso de inconformidade com a decisão de primeira instância que manteve a exigência

 

RESPONSABILIDADE PELA SOLVÊNCIA DO DEVEDOR

As contrapartes nos contratos de fomento mercantil (cedentes e responsáveis solidários) respondem, sempre, pelos vícios redibitórios (aqueles ocultos), e quando avençado em instrumento próprio, pela solvência do devedor (art. 8º). A possibilidade jurídica de se convencionar a responsabilidade pela solvência do devedor agora vem expressa no projeto. Entretanto não há no Projeto uma construção normativa que guarde simetria com o disposto no inciso II do art. 585 do Código de Processo Civil que versa sobre os títulos executivos extrajudiciais.

Tudo indica que a sociedade cedente receberá em devolução o crédito cedido e não pago pelo devedor, assumindo o pólo passivo da obrigação em relação à cessionária. Há neste ponto questão operacional, tendo em vista que contrato principal de fomento mercantil estabelece o limite das operações, sendo que os títulos de crédito propriamente ditos são transferidos à medida do necessário pelo endosso em preto. Não seria razoável que cessionária tivesse que seguir o rito das ações judiciais de conhecimento para exercer seu direito de regresso. Por isso mesmo a condição de execução deveria ser posta em evidência.

A substituição do devedor originário, pela empresa cedente, também trará implicações de ordem tributária quanto à disciplina da dedutibilidade das perdas em créditos. Não nos parece que a situação jurídica hipotética revele ato jurídico de novação no sentido posto no art. 12 da Lei nº 9.430/96. Não se trata, pois, de recuperação de crédito, e, sim de direito de regresso contra a empresa cedente. Desta forma deverão ser considerados todos os requisitos da Lei nº 9.430 para a marcação do crédito (dedutibilidade tomada em caráter temporário), contra a cedente, desde o termo inicial da aquisição do crédito substituído. Em outras palavras: o crédito contra a cedente substitui o título de crédito original assumindo todos os seus termos (data de aquisição, valor e garantias firmadas), de forma retroativa.

 

RECEITAS OPERACIONAIS DAS FACTORINGS

O projeto elenca três categorias de receitas operacionais que podem ser auferidas pelas factorings (art. 7º). A primeira categoria diz respeito à comissão cobrada pela prestação de serviços característicos na atividade de fomento mercantil. A terceira categoria surge da não classificação na primeira ou na segunda categoria e vem designada como outras, vedada a auferição de receitas típicas das atividades das instituições financeiras ou que possam ser auferidas em razão da captação de recursos do público em geral.

Destacamos deste artigo a segunda categoria que vem posta como sendo o “diferencial na aquisição de créditos”.

O texto que consta do inciso II do art. 7º não oferece segurança de compreensão quando se pretende atingir uma interpretação sistemática da norma como um todo, ou seja, como estatuto disciplinar da atividade. Acontece que o novo estatuto traz conceito próprio de direitos creditórios e entre estes estão os representativos de prestações futuras, ou seja, aqueles que são emitidos como promessa de pagamento (Nota Promissória) ou como ordem de pagamento (Letra de Câmbio), não em dinheiro, e sim em mercadoria a ser entregue ou em  serviço a ser prestado no futuro. Seguindo-se nesta linha interpretativa, teríamos, então, a possibilidade de as sociedades de fomento mercantil apurarem Ágio nas operações de prestação futura quando da aquisição de títulos representativos de mercadorias pelo valor de emissão para imediata transferência, por endosso em preto e com mais valia, aos interessados nos ativos que deram origem aos títulos lançados.

O termo “diferencial” se ajusta tanto à situação de Ágio como à situação de Deságio; porém o emprego da preposição “em”, contraída com artigo feminino “a”, seguida do substantivo feminino “aquisição” dá a impressão de que somente seria factível a ocorrência de deságio no ato da aquisição, em razão da noção de tempo subjacente na frase. Este é um ponto de alta relevância eis que poderá abrir novas possibilidades operacionais para as factorings (operações com futuros) bem como influir na matriz tributária incidente sobre os negócios desta atividade. Por isso é de todo recomendável que o texto seja aperfeiçoado em consonância com a real intenção do legislador ordinário.

 

OBJETO DOS CONTRATOS DE FOMENTO MERCANTIL: DIREITOS CREDITÓRIOS

Neste comentado Substitutivo vamos encontrar no §2º do art. 1º o que se deve entender como sendo direitos creditórios para os fins específicos da nova disciplina das operações de fomento mercantil em nosso País. Reza a citada regra de natureza conceitual:

 

§ 2º Por direitos creditórios, entendem-se os direitos e títulos representativos de crédito, originários de operações realizadas nos segmentos comercial, agronegócio, industrial, imobiliário, de prestação de serviços e warrants; contratos mercantis de compra e venda de produtos, mercadorias e/ou serviços para entrega ou prestação futura, bem como títulos ou prestação futura, e de títulos ou certificados representativos desses contratos.

Tentemos, então, uma demonstração didática do que se extrair desta redação legal:

 

CONTRAPARTES POR SEGMENTOS ECONÔMICOS OPERAÇÕES REALIZADAS OPERAÇÕES COMERCIAIS A SEREM REALIZADAS
Agronegócio

Comercial

Industrial

Imobiliário

Prestação de serviços

Certificados ou Títulos de crédito, emitidos segundo a lei de regência de cada espécie, como direitos autônomos e transferíveis por endosso em preto Títulos representativos de Mercadorias ou de Pagamento emitidos na forma de Letra de Câmbio (ordem de pagamento) ou de Nota Promissória (promessa de pagamento)
Direitos Contratuais passíveis de cessão civil Direitos Contratuais sobre negócios futuros, passiveis de cessão civil;

Certificados representativos destes negócios futuros.

Armazeneiro Warrants excluídos os Certificados de Depósitos

 

Destaca-se que os chamados negócios futuros agora estão expressamente postos no Projeto de Lei, merecendo especial atenção os Títulos de Crédito Representativos de Mercadoria.

 

TITULOS DE CRÉDITO REPRESENTATIVOS DE MERCADORIAS

Como categoria jurídica o titulo de crédito representativo de mercadoria está previsto em nosso atual Código Civil, precisamente nos arts. 894 e 895 que estabelecem:

Art. 894. O portador de título representativo de mercadoria tem o direito de transferi-lo, de conformidade com as normas que regulam a sua circulação, ou de receber aquela independentemente de quaisquer formalidades, além da entrega do título devidamente quitado.

Art. 895. Enquanto o título de crédito estiver em circulação, só ele poderá ser dado em garantia, ou ser objeto de medidas judiciais, e não, separadamente, os direitos ou mercadorias que representa.

 

BILHETE DE MERCADORIA

O Bilhete de Mercadoria é uma espécie do gênero titulo representativo de mercadoria. Trata-se de um titulo de crédito criado por Lei do Governo Provisório de 1.890, pelo Marechal Deodoro da Fonseca que tinha por Ministro da Fazenda, Ruy Barbosa. O Título foi criado pelo Decreto nº 165-A de 17 de janeiro de 1.890 que versava sobre as operações com valores mobiliários. Posteriormente as características deste valor mobiliário foram insertas no Regulamento baixado pelo Decreto nº 370 de 2 de Maio de 1.890 que trouxe a seguinte redação:

 

DOS BILHETES DE MERCADORIAS

Art. 379. São válidos, e gozam de todas as garantias da letra de cambio, os bilhetes de ordem pagáveis em mercadorias.

§ 1º Esses bilhetes devem conter:

A data;

A qualidade das mercadorias consignadas;

O nome e prenome da pessoa, a cuja ordem se deve fazer a consignação;

A época em que esta ha de fazer-se;

O valor, como nas letras de cambio.

§ 2º As disposições comuns ás letras de cambio e aos bilhetes de ordem, em que se estipule o pagamento em dinheiro, são igualmente aplicáveis aos bilhetes de ordem pagáveis em mercadorias.

§ 3º Os bilhetes de ordem não se podem sacar, senão com vencimento a prazo fixo. Si contiverem clausula diversa, tornar-se-ão meras obrigações, ainda quando firmados por negociantes.

§ 4º Vencido o prazo, incumbe ao portador executar a obrigação, expedindo a mercadoria por terra ou por mar, ou fazendo-a transportar a outros armazéns ou entrepostos. Pode, porém, conservar a mercadoria por sua conta e risco, nos armazéns onde se achar, durante prazo maior que o estipulado no bilhete, quando os usos locais o autorizarem.

§ 5º O portador do bilhete em mercadorias, que não cumprir em tempo a obrigação do parágrafo antecedente, só conservará recurso contra o aceitante, ficando liberados os portadores e sacadores.

§ 6º A estimação da mercadoria não consignada regula-se, quanto á indenização e ao reembolso, segundo o curso da praça, onde se deveria realizar a consignação, e onde não foi realizada, calculando-se entre o momento da requisição e a data do vencimento do bilhete.

 

No século XX voltamos a encontrar uma citação legal sobre o Bilhete de Mercadoria no inciso V do art. 25 da Lei nº 4.829 que redefiniu o sistema de crédito.

Três características fundamentais deste título merecem atenção especial do leitor: a primeira diz respeito à força de títiulo executivo extrajudicial do papel que se assenta nos mesmos moldes da letra de cambio ou da nota promissória; a segunda diz respeito a sua condição de titulo abstrato que não precisa estar vinculado a uma operação anterior; a terceira diz respeito a forma de resolução dos negócios que acontece com a entrega da mercadoria por parte do devedor ao credor.

É bem verdade que tal Título de Crédito mereceria da parte do Legislativo verdadeira atualização de seu desenho jurídico a fim de ajustar a sua sintonia com a complexidade dos negócios de nosso século. Todavia ele existe em nosso ordenamento jurídico e pode ser objeto dos contratos de fomento mercantil segundo consta do Projeto de Lei e de nosso Código Civil. Entretanto ainda resta a dúvida: Será que o Bilhete de Mercadoria pode estabelecer como Consignada da Mercadoria a empresa de Fomento Mercantil? Entendemos que no universo do Direito Privado, a Lei, na forma posta em 1.890, não faz tal restrição e nem poderia fazer porque naquela época não se cogitava de fomento mercantil como negócio jurídico especial. A dúvida persiste no campo do Direito Tributário tendo em vista o que disposto na Lei Complementar do ICMS tem contornos rígidos para definição do campo de incidência.

 

ATRITOS DO NOVO PROJETO DE LEI COM A LEGISLAÇÃO DO ICMS

Partindo do pressuposto que as empresas de fomento mercantil estão autorizadas a operar com títulos de crédito representativos de mercadorias, entendemos que o Projeto de Lei merece aperfeiçoamentos para que se evitem conflitos de normas concorrentes. Preocupação maior reside na Lei Geral do ICMS que é a Lei Complementar nº 87 de 1.966, também conhecida como Lei Kandir.

Esta Lei não faz nenhuma distinção para os negócios comerciais em que figure como uma das partes, uma empresa de fomento mercantil. Afirma que o Imposto incide sobre as operações relativas à circulação de mercadorias ou serviços não importando, para tal incidência, a natureza jurídica das operações (art. 2º, I c/c o §2º). Seguindo exclui do campo de incidência (inciso IV do art. 3º) os negócios realizados com ouro quando figurar esta mercadoria como ativo financeiro (aplicação financeira) ou instrumento cambial (instrumento financeiro no direito cambial).

Expressamente exclui, também, do campo de incidência as operações decorrentes de alienação fiduciária em garantia ainda que lastreadas em mercadorias, bem como as alienações das mercadorias realizadas pelo credor fiduciário em razão da inadimplência do devedor (inciso VII do art. 3º).

Afora estas duas exclusões do campo de incidência não se vislumbra outra que faça referência a operações com títulos de crédito representativos de mercadorias. Pelo contrário, encontramos no inciso IV do art. 12 que se dá por ocorrido o fato gerador do ICMS quando acontecer transmissão da propriedade da mercadoria, ou do titulo que a represente, no momento em que está transmissão ocorrer e desde que a mercadoria adquirida pelo transmitente não tenha transitado pelo seu estabelecimento. Parece que o figurino jurídico se amolda a situação das factoring que adquirem Bilhete de Mercadoria e de pronto promovam a transmissão para o interessado no produto lastro do titulo de crédito.

 

CONCLUSÃO

Novas perspectivas se abrem às empresas de fomento mercantil no País, principalmente a possibilidade de operar futuros, e isto é indubitável.. Do ponto de vista macro econômico o Projeto se revela extremamente oportuno e vem de encontro ao fortalecimento da circulação da riqueza nacional que a todos interessa. O saneamento do mercado também é bem vindo. Basta evitar os conflitos de natureza tributária para assegurar a vitalidade do Projeto.

 

Julho de 2011.

RENZO & SEWAYBRICK ASSESSORIA E CONSULTORIA TRIBUTÁRIA LTDA

Dr. Jeferson Roberto Nonato

 

 

Serviços Intelectuais Prestados por Pessoas Jurídicas Interligadas da Contratante.

Serviços Intelectuais Prestados por Pessoas Jurídicas Interligadas da Contratante.

Nossa Carta Magna (CF/88 art. 170 “caput” c/c Parágrafo único) preconiza uma ordem econômica fundada na livre iniciativa, assegurando a todos os cidadãos o livre exercício de qualquer atividade, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. Daí decorre a relativa liberdade de contratar; relativa porque o contrato somente terá seus efeitos jurídicos assegurados em razão de sua legalidade material, ou formal quando for o caso, e de sua função social (CC art. 421). Neste sentido assenta nosso Código Civil (Lei nº 10.406 de 2.002) quanto aos contratos de sociedade empresarial:

“Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.

Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.

Art. 967. É obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade.

Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.

Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais.

Destaca-se, destes textos legais, o que contido no Parágrafo Único. A função da regra excludente afirma que o intelectual, tal qual como qualificado, não é considerado empresário, devendo exercer sua atividade econômica como pessoa física ainda que conte com o concurso de auxiliares ou colaboradores (exemplo: um médico que contrata uma enfermeira). Entretanto o mesmo intelectual, qualificado na forma da Lei,  será considerado empresário se explorar a atividade mediante contratação de um ou mais profissionais da mesma área de atuação ( exemplo: um médico que explora o serviço de outro médico assalariado). Todavia os demais serviços intelectuais, quando prestados sob forma de organização, implica na atração direta do que disposto no “caput” do art. 966, retro citado, ou seja, os agentes passam a ser considerados empresários.

 

Diante deste quadro normativo e de várias contendas que vinham acontecendo entre os contribuintes e as autoridades fazendárias e previdenciárias, fora introduzido em nosso ordenamento, norma jurídica de natureza interpretativa, para evitar os incidentes de inconstitucionalidade que vinham ocorrendo. A interpretação em foco, na forma de Lei, tem o teor redacional:

Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005

Art. 129. Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil.

Parágrafo único. (VETADO)

 

Dá simples leitura infere-se a natureza interpretativa desta norma. É evidente que sempre foi legalmente possível a contratação de pessoas jurídicas para prestação de serviços intelectuais. A regra não criou ou determinou novas condutas ou estipulou novas obrigações; simplesmente reafirmou o princípio da autônima patrimonial consagrado na figura do instituto da Pessoa Jurídica. Em verdade, a celeuma nesta matéria fez com que o Poder Executivo fosse obrigado a se manifestar, na pessoa da autoridade suprema do Presidente da República, na via da Lei e da edição de Mensagem de Veto, por duas vezes em menos de três anos. A primeira vez aconteceu no ano 2.005 quando da promulgação da própria Lei nº 11.196 quando foi vetado o próprio Parágrafo Único do art. 129 em comento. Eis o trecho da Mensagem nº 783 de 21 de Novembro de 2.005 que de perto nos interessa:

 

MENSAGEM Nº 783, DE 21 DE NOVEMBRO DE 2005.

Senhor Presidente do Senado Federal,

Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do § 1o do art. 66 da Constituição, decidi vetar parcialmente, por inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público, (…..)

Parágrafo único do art. 129

“Art. 129. …………………………………………………………………………

Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica quando configurada relação de emprego entre o prestador de serviço e a pessoa jurídica contratante, em virtude de sentença judicial definitiva decorrente de reclamação trabalhista.”

Razões do veto

“O parágrafo único do dispositivo em comento ressalva da regra estabelecida no caput a hipótese de ficar configurada relação de emprego entre o prestador de serviço e a pessoa jurídica contratante, em virtude de sentença judicial definitiva decorrente de reclamação trabalhista. Entretanto, as legislações tributária e previdenciária, para incidirem sobre o fato gerador cominado em lei, independem da existência de relação trabalhista entre o tomador do serviço e o prestador do serviço. Ademais, a condicionante da ocorrência do fato gerador à existência de sentença judicial trabalhista definitiva não atende ao princípio da razoabilidade.”

A segunda manifestação aconteceu quando da aprovação do diploma legal que criou a Super Receita – Lei 11.457 de 2.007-. Neste caso assim se expressou o Poder Executivo:

MENSAGEM Nº 140, DE 16 DE MARÇO DE 2007.

Senhor Presidente do Senado Federal,

Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do § 1o do art. 66 da Constituição, decidi vetar parcialmente, por inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público, o Projeto de Lei no 6.272, de 2005 (no 20/06 no Senado Federal), que “Dispõe sobre a Administração Tributária Federal;(…).

Ouvidos, os Ministérios da Fazenda, da Previdência Social e do Trabalho e Emprego e a Advocacia-Geral da União, manifestaram-se pelo veto ao seguinte dispositivo:

§ 4o do art. 6o da Lei no 10.593, de 2002, acrescentado pelo art. 9o do Projeto de Lei

“Art. 6o

§ 4o  No exercício das atribuições da autoridade fiscal de que trata esta Lei, a desconsideração da pessoa, ato ou negócio jurídico que implique reconhecimento de relação de trabalho, com ou sem vínculo empregatício, deverá sempre ser precedida de decisão judicial.”  (NR)

Razões do veto

“As legislações tributária e previdenciária, para incidirem sobre o fato gerador cominado em lei, independem da existência de relação de trabalho entre o tomador do serviço e o prestador do serviço. Condicionar a ocorrência do fato gerador à existência de decisão judicial não atende ao princípio constitucional da separação dos Poderes.”

 

 

Diga-se, de passagem, que o Congresso Nacional, por Emenda (Emenda nº3) pretendia adicionar o tal §4º ao artigo 6º da Lei nº 10.593 de 2.002 que trata da competência e das atividades dos Auditores da Receita Federal do Brasil.

 

Está evidente que nestas duas oportunidades o Poder Executivo reafirmou a existência de regramento suficiente à desconsideração da personalidade jurídica, seja pela aplicação do art. 50 do Código Civil seja pela aplicação do disposto no inciso VII do art. 149 do CTN, “verbis”:

 

“Art. 149 – O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:

VII – quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação;”

 

Assim se perpetrou o Princípio da Separação dos Poderes, em matéria não sujeita à reserva de jurisdição, podendo o Poder Executivo cumprir sua missão institucional, desde que seus agentes não promovam, de forma indireta, o alargamento do campo de incidência das exações como acontece nos casos não autorizados de desconsideração da personalidade jurídica. Portanto a desconsideração de personalidade jurídica só tem lugar quando o Fisco provar, de forma indelével, a ocorrência concreta do dolo, da fraude, da simulação, do desvio de finalidade da pessoa jurídica e da confusão patrimonial. Esta conclusão se alinha perfeitamente à interpretação, do Poder Executivo, expressa no “caput” do art. 129 da Lei nº 11.196 de 2.005 e reprisadas nas razões dos vetos já apontados.

 

Importa ressaltar ainda que os Auditores Fiscais, como autoridades lançadoras, desempenham atividades plenamente vinculadas e como tal não podem deixar de observar em suas condutas as normas em questão. Em termos de desconsideração de sociedades empresariais, não podem deixar de comprovar a ilicitude (dolo, fraude ou simulação) ou ainda, deixar de provar que o resultado do negócio implicou em desvio de finalidade da pessoa jurídica ou confusão patrimonial. Em outras palavras: não podem lançar mão de outras regras de forma isolada, ou solteiras, para imputar conseqüências, fazendárias ou previdenciárias, próprias da desconsideração da personalidade jurídica (por exemplo: qualificar o dispêndio da contratante como anormal em razão do perfil sócio econômico da contratada prestadora do serviço). A norma interpretativa, em foco (art. 129), se irradia por todo o sistema normativo e tem a função de evitar os desvios de hermenêutica. Cuida-se de uma verdadeira blindagem à formulação de critério jurídico outro, diverso daquele posto em lei.

 

De outro lado, tal blindagem não é uma dádiva do Estado posta no interesse da comunidade empresarial, como possa parecer; em verdade o Estado, em convergência com a moderna economia internacional, visa aliviar as pressões futuras sobre o orçamento previdenciário. O economista Jose Pastore informa que nos Estados Unidos da América do Norte, setenta e cinco por cento das contratações de trabalho são contratações de pessoas jurídicas (Matéria publicada no Jornal O Estado de São Paulo de 29 de Novembro de 2.005).

 

Na espécie, então, fica afastada, de plano, a pretensão de interpretação econômica do fato investigado; não tem amparo legal o ato de desconsiderar a personalidade jurídica de uma sociedade empresarial por ponderações econômicas, gerenciais ou societárias impregnadas no perfil das prestadoras de serviços intelectuais; do plano real se deve extrair a realidade jurídica, para fins de confronto da conduta dos particulares com o direito posto, ressalvado, logicamente, as situações de atos viciados. As considerações de ordem econômica que deveriam ser feitas, foram feitas pelo próprio legislador na construção da regra interpretativa.

 

Na dicção do referido art. 129 podemos perceber que o dispositivo legal não está posto para todas as pessoas jurídicas prestadoras de serviços. Em caráter especialíssimo a interpretação normativa está voltada para as pessoas jurídicas prestadoras de serviços intelectuais, ou seja, aquelas que prestam serviços concretizados pela força motriz do intelecto, ou pelas habilidades artísticas das pessoas naturais. Destarte neste universo não se enquadram as pessoas jurídicas prestadoras de serviços que se valem de capital intensivo para realizarem seus objetivos sociais. Estas prescindem da blindagem legal tendo em vista a notoriedade da autonomia patrimonial.

 

 

A NATUREZA INTERPRETATIVA DO ART. 129 DA LEI Nº 11.196 DE 2.005

Não pode haver dúvida sobre a natureza interpretativa do art. 129 em comento. A “Justificação” como peça anexa ao Projeto de Lei de Conversão da MP nº 252 de 2.005 (PLV nº 23 de 2.005) assenta com todas as letras:

 

“Os princípios da valorização do trabalho humano e da livre iniciativa previstos no art. 170 da Constituição Federal asseguram a todos os cidadãos o poder de empreender e organizar seus próprios negócios. O crescimento da demanda por serviços de natureza intelectual em nossa economia requer a edição de norma interpretativa que norteie a atuação dos agentes da Administração e as atividades dos prestadores de serviços intelectuais, esclarecendo eventuais controvérsias sobre a matéria.”

Infere-se da transcrição:

 

a)     Editou-se uma norma interpretativa;

b)     Como tal, a norma tem aplicação retroativa (Inciso I do art. 106 do CTN);

c)     Os agentes da Administração são destinatários da norma;

d)     A norma materializou a segurança jurídica das prestadoras de serviços intelectuais;

e)     A norma não fez distinção quanto ao quadro societário das prestadoras de serviços intelectuais;

f)     Eventual economia tributária não autoriza a desconsideração da personalidade jurídica face ao disposto no art. 170 da Constituição Federal de 1.988.

 

 

OS LIMITES DA INTERPRETAÇÃO

Como já mencionamos o art. 129 da Lei nº 11.160 de 2.005 tem por objeto a prestação de serviços intelectuais sob a vestimenta de pessoa jurídica. Este limite objetivo foi ainda qualificado, de forma expressa, para agasalhar os contratos que estipulem prestações de caráter personalíssimo, isto é, reputam-se válidos os negócios de contratação de pessoas jurídicas prestadoras de serviços ainda que se indique a pessoa que deverá realizar o trabalho contrato. E a norma interpretativa não parou por aí. Foi mais além. Por simetria, ao trabalho em caráter personalíssimo, ainda deu guarida aos contratos que eventualmente estipulem obrigações aos sócios das pessoas jurídicas ou a seus empregados, tais como supervisão dos trabalhos, produção de laudos ou atestados de qualidades, assunção objetiva de responsabilidades, penalidades, cumprimento de escalas de horários e outras.

 

É evidente que ao intérprete não cabe fazer a interpretação da norma interpretativa; todavia cabe a sua compreensão tendo em vista os signos lingüísticos empregados na redação da norma. Assim à expressão “serviços intelectuais” não diz respeito às pessoas naturais, socialmente consideradas intelectuais; intelectuais devem ser os serviços que exigem para sua finalização raciocínio lógico, discernimento, elaboração aritmética ou financeira, compreensão de textos, redação e linguagem fluente, poder de comunicação. Por esta razão estão albergados na regra de interpretação os casos de vendedores comissionados, corretores, instrutores, auditores, engenheiros, arquitetos, médicos, enfermeiros, contadores, artistas, escritores e cientistas e outros.

 

Neste ponto cabe também fazer importante advertência. A norma interpretativa, francamente destinada aos agentes da Administração, não tem sua aplicação restrita ao campo das Relações do Trabalho. Equivoca-se quem assim deduz. O texto da norma é didático neste sentido quando é iniciado com a expressão “para fins fiscais e previdenciários”. Não importa que o mote central da produção legislativa tenha sido de ordem trabalhista; a positivação da regra aconteceu visando conferir eficácia e harmonia entre todas as normas concorrentes de sistemas normativos diversos ( fazendário, previdenciário e trabalhista); esta é a finalidade da norma (teleologia) e, portanto, a interpretação extrapola o campo das relações do trabalho para alcançar, também, as atividades fazendárias e previdenciárias.

 

A norma interpretativa, porém, não socorre os casos de negócios jurídicos viciados bem como aqueles previstos no art. 50 de nosso Código Civil (desvio de finalidade e confusão patrimonial) e muito menos se presta a validar contratos nos quais a contratada, pessoa jurídica de prestação serviço intelectual, tenha surgido por imposição do contratante. A livre iniciativa, protegida constitucionalmente, exige que a pessoa jurídica tenha sido constituída por opção do empresário.

 

ECONOMIA TRIBUTÁRIA

 

A preocupação maior dos Agentes Fiscais quando se defrontam com situações de aparente economia tributária, resultante da contratação de pessoas jurídicas, interligadas, prestadoras de serviços intelectuais, reside na aferição da licitude ou ilicitude das condutas. Dependendo do objeto da ação (Contribuições Previdenciárias, Contribuições Extra Fiscais, Tributos ou Contribuições Sociais), o Agente termina por elaborar sempre raciocínio em termos alternativos. Em se tratando de uma fiscalização previdenciária, tende o Auditor a buscar elementos indiciários que convirjam para a prova de vínculo empregatício, extraindo desta relação jurídica as conseqüências tributárias pertinentes. Em se tratando de fiscalização do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) de empresa submetida à tributação pelo Regime de Apuração do Lucro Real, tende o Auditor a vislumbrar economia tributária porque a empresa beneficiária dos dispêndios (a prestadora dos serviços) tributou suas receitas em algum dos regimes tributários simplificados como é o caso do Lucro Presumido e do Simples Nacional,; situação que poderia ser caracterizadora de distribuição camuflada de lucros ainda não tributados. Logicamente estes exemplos não exaurem todas as situações que podem acontecer.

 

No exercício de suas funções a fiscalização tem esse poder dever de investigar todas as situações que lhe são apresentadas, tais quais as acima exemplificadas. Entretanto o que está vedado à fiscalização e passar ao largo do art.129 da Lei nº 11.196 de 2.005 quando o critério jurídico, posto em concreto, tomar como premissa de formulação, as pessoas contratantes e não objeto do contrato. Reforcemos o raciocínio: a fiscalização pode glosar a dedutibilidade de uma despesa porque este gasto não se amolda ao conceito de despesa necessária ou usual no tipo de negócio; porem ela não pode glosar a dedutibilidade porque a beneficiária dos pagamentos é uma pessoa jurídica interligada à contratante, sem superar o disposto no art. 129 e admitir que esta desconsiderando a autonomia patrimonial da contratada.

 

O sistema tributário brasileiro é um dos mais complexos do mundo e isto não é novidade. Imperfeições no sistema normativo são apuradas com freqüência, seja pelos contribuintes atingidos, seja pelos próprios agentes da Administração Tributária. Esclareçamos o pensamento com um exemplo concreto: em 2.009 (MP nº 472/2009) foi inserido, no art. 14 da Lei nº 9.718/98, o inciso VII para impedir que as empresas Securitizadoras de Créditos pudessem optar pela tributação sob o regime tributário do lucro presumido. Esta modificação aconteceu porque a Fiscalização reportou às autoridades competentes o que vinha acontecendo no mercado financeiro quando Instituições Financeiras, tributadas pelo Lucro Real se apropriavam de despesas dedutíveis com a Cessão de Créditos à pessoa jurídica interligada, constituída como Securitizadora e tributada pelo regime do Lucro Presumido. Enquanto não houve a modificação da Lei ninguém foi autuado porque a conduta não estava vedada em Lei, embora se pudesse raciocinar em termos de economia tributária tendo em vista que os resultados das contratantes permaneciam no mesmo grupo empresarial. Situação similar ainda vem acontecendo com a figura do Rateio de Custos entre empresas do mesmo grupo econômico, que carece de disciplina própria.

 

Vivemos em um Estado Democrático de Direito em que a constrição do patrimônio dos particulares decorre exclusiva e diretamente da Lei. A fiscalização não pode tentar fazer justiça com as próprias mãos sob o argumento simplista de que o negócio visava apenas  economia tributária, afrontando o princípio da estrita legalidade e invadindo a reserva mental dos contribuintes. Por isso mesmo os cientistas do Direito, em todo planeta, vem lidando com a Teoria da Elisão Fiscal.

 

No particular caso das empresas prestadoras de serviços intelectuais, interligadas da empresa contratante, temos ainda que lembrar que a fiscalização, movida pela aparente economia tributária, deixa de apontar o correto vetor deste ganho tributário; a fiscalização tende a afirmar que o Contratante se beneficiou pelo fato de ter se apropriado da despesa como dedutível, na apuração do lucro real, colocando-a no papel de sujeito passivo, por ocasião do Auto de Infração. Ora, ainda que se admita, para efeitos de raciocínio, a economia tributária como fato acontecido, tem- se que a vantagem tributária não é da pessoa jurídica e sim dos administradores, que poderão sacar lucros crivados pela tributação do lucro presumido, quando esta forma de tributar resultar em menor valor absoluto de imposto devido em comparação com a tributação do lucro real. Assim se há ilegalidade no procedimento, sábia é a legislação tributária que desloca a sujeição passiva da pessoa jurídica para os responsáveis da ilegalidade (CC art. 50 em simetria com o disposto no art. 135 do CTN). O que é inadmissível é que a fiscalização se louve na pretensa ilicitude da vantagem tributária sem apontar corretamente o sujeito passivo da obrigação nos termos impostos pelo art. 142 do CTN.

 

Por fim, neste tema, ainda há de se questionar o método aplicado para indicação da ocorrência de economia tributária. Seria correto chegar-se a esta conclusão simplesmente comparando a tributação de certo valor pelo regime tributário do lucro presumido com a redução da tributação acontecida no lucro real? Queremos crer que não. Existem outras figuras tributárias que interferem nesta apuração dentre as quais destacamos a figura dos Juros de Capital Próprio que propicia significativa redução da tributação das pessoas físicas dos administradores e tem a dedutibilidade assegurada na tributação pelo lucro real das pessoas jurídicas contratantes.

 

Por tudo não se pode deduzir a ocorrência de vantagem tributária se as normas jurídicas positivadas foram cumpridas, como preconiza o próprio texto do art. 129 da Lei nº 11.196 de 2.005 que parece dizer o óbvio quando diz que a prestação de serviços intelectuais por pessoas jurídicas submete-se, “tão somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas”.

 

CONCLUSÃO

Carece de amparo legal o ato administrativo de desconsideração da personalidade jurídica de empresas prestadoras de serviços intelectuais vinculadas à empresa contratante, posta, esta desconsideração, de forma explícita ou implícita, cuja formulação do critério jurídico “in concreto” se limite a considerações de ordem econômica ou de ordem societária.

 

Maio de 2011.

 

RENZO & SEWAYBRICK ASSESSORIA E CONSULTORIA TRIBUTÁRIA LTDA

Dr. Jeferson Roberto Nonato

 

 

Teorização da tributação dos ganhos obtidos em bolsas por pessoas físicas

Introdução

1. Todos os anos as pessoas físicas, por ocasião da entrega da declaração de imposto de renda, se vêem em dificuldades para o correto preenchimento do Anexo de Renda Variável tendo em vista a complexidade da legislação tributária e a crescente sofisticação das operações de mercado. Tentam se socorrer de publicações da própria Receita Federal do Brasil – Perguntas e Respostas, por exemplo-, mas percebem que estas não alcançam todas as dúvidas surgidas.

2. Há de se ter em conta que certas situações subjetivas dependem de uma interpretação técnica que envolve não só o conhecimento da metodologia empregada na elaboração da declaração de rendimentos da pessoa física, mas, também, razoável conhecimento do Direito Tributário. De outro lado as autoridades administrativas colhem as dúvidas recorrentes e tentam resolvê-las de forma sucinta, em publicações de massa, visto que interpretações formais só podem ser conseguidas pela via do instituto da consulta e processo administrativo desta índole.

3. Parece-nos que a falta de teorização da tributação dos ganhos líquidos, auferidos por pessoas físicas em Bolsas de Valores, tem dificultado a aplicação das regras postas, visto que estas são construídas a partir de conceitos e nomenclaturas de produtos do mercado financeiro e de capitais. Cite-se, por exemplo, a figura do DOADOR que tem significados diversos no Direito Civil e no Mercado de Capitais.

4. Este texto é um esforço desta teorização que julgamos necessária, ainda que posta sem todo o rigor científico exigido.

Aplicação da Legislação Tributária

5. Assenta o Código Tributário Nacional, em seus artigos 105 e 116, combinados, que a legislação tributária se aplica aos fatos geradores futuros e aos pendentes, sendo que os pendentes são aqueles que já tenham sido iniciados, mas, não tenham sido completados, nos termos do direito aplicável. Portanto o investidor em Bolsa deve saber que o primeiro ato de um negócio contratual atrairá a legislação de regência da tributação. Como todas as operações em Bolsa têm um ciclo de duração, data de abertura e data de encerramento, aplicar-se-á a legislação vigente na data de abertura do contrato. É o caso da isenção prevista em Lei para as alienações de ações, no mercado à vista, até o montante de R$20.000,00 por período mensal de apuração. Para tal aferição se deve levar em conta as datas de pregão e não as datas das liquidações financeiras da operação.

7. Neste mesmo sentido temos que caso ocorra uma mudança de alíquota no início de um ano calendário, deverá ser aplicada a alíquota vigente no ano calendário anterior, mesmo no caso de uma venda de ações no mercado a vista em dezembro de um ano para liquidação financeira em janeiro do ano seguinte.

Incidência

8. Podemos dizer que a incidência corresponde à descrição do fato gerador, posta em lei ordinária nos limites da permissão constitucional. A Constituição dá o indicativo de ordem geral e a Lei detalha os atos e fatos que ali se enquadram como reveladores da capacidade contributiva e a forma de apuração do que for devido. É o que consta do art. 114 do Código Tributário Nacional quando afirma que o fato gerador é a situação descrita em lei como necessária e suficiente ao surgimento da obrigação tributária de pagar o tributo devido.

9. Em 1.988 foi editada a Lei nº 7.713 que em seu artigo 40 estabelecia que os ganhos líquidos auferidos por pessoa física nas operações realizadas nas bolsas de valores, de mercadorias, de futuros e assemelhadas ficavam sujeitos à tributação. Em 1.989 – Lei nº 7.799, art. 55- foram incluídas, no campo de incidência, as pessoas jurídicas isentas e aquelas tributadas pelo lucro presumido ou lucro arbitrado, isto é, os ganhos líquidos auferidos por estes novos personagens também estavam sujeitos à tributação em conformidade com as regras de tributação em separado. Passam também a estar sujeitas ao regime de tributação em separado, a partir de 1.993, as pessoas jurídicas não financeiras tributadas pelo regime de apuração do lucro real em razão de alteração legal na descrição de incidência posta no art. 29 da Lei nº 8.541 de 1.992. Já em 1.995 houve nova alteração da descrição legal para alcançar qualquer beneficiário de ganhos líquidos auferidos em bolsas – Lei nº 8.981 de 1.995 art. 72-, exceção das entidades imunes ao imposto de renda.

10. O intérprete há de notar que em todas estas normas, atinentes ao campo de incidência, fora empregada a expressão “(..) ganhos líquidos nas operações realizadas nas bolsas de valores, de mercadorias, de futuros, (..).”. Esta expressão se presta a indicar o local físico ou virtual dos acontecimentos; quis o legislador se referir às operações acontecidas nestes locais. Não se cogita, portanto, de outro significado do vocábulo quando empregado com o sentido de transformar uma disponibilidade jurídica em disponibilidade financeira como acontece no caso de ganhos de capital- surgimento da obrigação de pagar na medida da realização dos ganhos auferidos-. Tanto é verdade que alienação de ações por parte das pessoas físicas fora de bolsas está sujeita à apuração do ganho ou perda de capital e não se considera operação de renda variável.

11. O leitor poderá conferir a descrição legal, vigente, de incidência no art. 45 da Instrução Normativa RFB nº 1.022 de 2.010.

Período de apuração e modalidade de lançamento

12. A tributação dos ganhos líquidos ocorre em período de apuração mensal e o contribuinte pessoa física tem o dever de apurar e pagar o imposto devido nos termos do que consta do art. 150 do Código Tributário Nacional que versa sobre a modalidade de lançamento por homologação.

13. È de responsabilidade do investidor a guarda de documentos que possam instruir todas as apurações por ele realizadas para chegar ao valor devido. Hoje muitas corretoras vem oferecendo o serviço de apuração eletrônica para cálculo do imposto devido em cada mês. Cuidam-se de sistemas informatizados não homologados pela Receita Federal do Brasil que não eximem o contribuinte de sua responsabilidade objetiva como sujeito passivo da obrigação tributária em caso de constatação de erros ou de impugnação de métodos de apuração.

Decadência

14. Outro importante instituto do Direito Tributário não pode deixar de ser abordado como decorrência do lançamento por homologação presente na tributação dos ganhos líquidos. Conforme preceitua o §4º do art. 150 do CTN o Fisco dispõe de cinco anos, contados da data da ocorrência do fato gerador, para rever os procedimentos levados a efeito pelo contribuinte e conferir o imposto eventualmente pago, cobrando, se for o caso, a diferença por Auto de Infração (lançamento de ofício).

15. Em se tratando de renda variável, então, qual data há de ser considerada como termo inicial do prazo decadencial? Conforme preceitua o inciso II do art. 116 do CTN tem-se por ocorrido o fato gerador quando a situação jurídica, em foco, estiver definitivamente constituída nos termos do direito aplicável. Nas operações em Bolsa, prevalecem as situações jurídicas que são levadas ao mundo real pelo emprego de instrumentos jurídicos diversos e se concretizam, em definitivo, pelo mecanismo de compensação multilateral afeta à CBLC- Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia-. Por sua vez esta entidade não é uma empresa qualquer; ela figura como instituição auxiliar do Sistema Financeiro Nacional tomado na acepção da expressão como categoria jurídica de dignidade constitucional. Por isso o perfil jurídico da compensação multilateral. Posto isto, têm-se como termo inicial da contagem do prazo decadencial a data final do período de apuração que albergar encerramentos das operações contratadas, e não a data final estabelecida como prazo de pagamento do imposto devido, e, muito menos, o primeiro dia do exercício financeiro seguinte aquele em que poderia ser lançado o imposto em causa.

16. Transcrevemos Acórdão do antigo Conselho de Contribuintes neste mesmo sentido:

MINISTÉRIO DA FAZENDA/ PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES
Número do Recurso: 121344/ Câmara: QUARTA CÂMARA/Matéria:IRPF/ 2002
Resultado: APU – ACOLHER PRELIMINAR POR UNANIMIDADE
DECADÊNCIA – GANHOS DE RENDA VARIÁVEL OBTIDOS NO MERCADO DE AÇÕES EM BOLSA DE VALORES – LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO – A regra de incidência de cada tributo é que define a sistemática de seu lançamento. Os ganhos obtidos no mercado de ações em bolsa de valores estão sujeitos ao pagamento do imposto de renda, cuja apuração deve ser realizada no mês da ocorrência do fato gerador e o recolhimento do imposto no mês subseqüente, razão pela qual têm Característica de tributo cuja legislação atribui ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa e amolda-se à sistemática de lançamento denominado por homologação, onde a contagem do prazo decadencial desloca-se da regra geral do artigo 173 do Código Tributário Nacional, para encontrar respaldo no § 4º do artigo 150, do mesmo Código, hipótese em que os cinco anos têm como termo inicial a data da ocorrência do fato gerador.

Valores tributáveis

17. Valor tributável é a dimensão monetária de um fato ou ato jurídico acontecido que será computado na Base de Cálculo. O Valor Tributável pode se exteriorizar no preço de um negócio (fato) ou, ser decorrência da apuração de certo resultado positivo (ato) alcançado em certo período de tempo. Não se pode confundir, então, as funções das regras que versam sobre valores tributáveis com a função da regra da base de cálculo. As apurações dos valores tributáveis instrumentalizam a apuração da base de cálculo e a precede.

18. A coincidência entre valor tributável e base de cálculo pode acontecer nos fatos geradores instantâneos, como são exemplos maiores as incidências de imposto de renda na fonte. Todavia em se tratando de renda variável, a construção normativa do regime de tributação em separado, didaticamente fez distinção entre valores tributáveis, descrevendo a forma de apuração de cada um deles, e base de cálculo.

19. O quadro que segue demonstras as técnicas jurídico tributárias de determinação de valores tributáveis:

Sinopse dos valores tributáveis

MERCADO À VISTA
PARTE COMPRADORA PARTE VENDEDORA
NÃO HÁ No mercado à vista, o valor tributável será constituído pela diferença positiva entre o valor de alienação dos ativos e o custo total de aquisição, calculado pela média ponderada dos custos unitários.

(IN RFB Nº 1.022 DE 2.010, ART. 47)

 

 

MERCADO DE OPÇÕES
CONTRATOS DE OPÇÕES DE COMPRA (CALLS)
PARTE LANÇADORA (VENDEDOR DO ATIVO OBJETO) PARTE TITULAR (COMPRADOR DO ATIVO OBJETO)
Nas operações liquidadas (encerradas) antes do vencimento do contrato (negócios que envolvem somente os prêmios), o valor tributável será o resultado positivo iniciados pelas vendas e encerrados pelas compras de opções da mesma série.
Quando o lançador permanecer na posição vendida até o vencimento dos contratos e for exercido, deverá considerar como produto da venda não só o preço do exercício (strike) multiplicado pelo numero de ativos vendidos, mas também o valor total dos prêmios recebidos quando do lançamento das opções naquela mesma série. Nesta ocorrência o valor tributável será a diferença positiva entre o produto da venda e custo médio ponderado dos ativos objetos alienados. 

 

(IN RFB Nº 1.022 DE 2010 ART. 49, INCISOS I e II, LETRA “B”)

Nas operações liquidadas (encerradas) antes do vencimento do contrato (negócios que envolvem somente os prêmios), o valor tributável será o resultado positivo iniciados pelas compras e encerrados pelas vendas de opções da mesma série.
Quando o titular permanecer na posição comprada até o vencimento dos contratos e exercer o seu direito de compra dos ativos objetos, será considerado custo de aquisição não só o valor desembolsado para finalizar a compra, mas também o valor dos prêmios pagos quando da compra das opções. Caso o titular resolva formar posição (ingressar com ativos em sua carteira) este total será o custo de aquisição destes ativos e a operação estará liquidada sem valor tributável.
Caso o titular exerça seu direito de compra e de imediato efetue a venda dos ativos objetos no mercado à vista, o valor tributável será representado pela diferença positiva entre o produto da venda e o custo de aquisição apurado na forma acima mencionada (strike + prêmio pago) 

(IN RFB Nº 1.022 DE 2.010, ART. 49, INCISOS I e II, LETRA “A” c/c §1º e 2º

 

 

CONTRATOS DE OPÇÕES DE VENDA (PUTS)
PARTE TITULAR (VENDEDOR DO ATIVO OBJETO) PARTE LANÇADORA (COMPRADOR DO ATIVO OBJETO)
Nas operações liquidadas (encerradas) antes do vencimento do contrato (negócios que envolvem somente os prêmios), o valor tributável será o resultado positivo iniciados pelas compras de contratos e encerrados pelas vendas de opções da mesma série.
Para o titular da opção de venda o exercício do seu direito de vender só fará sentido se o preço de exercício contratado for superior, ou igual, ao valor do pregão, no dia do vencimento do contrato. A contraparte, neste caso o lançador é obrigada a comprar os ativos por preço superior ao do pregão.
Ao exercer seu direito de venda, o titular da opção de venda deverá comparar o produto da venda alcançado com o exercício das opções de venda com o valor de compra dos ativos objetos no mercado a vista, acrescido pelo valor total dos prêmios pagos naquela mesma série. O valor tributável será a diferença positiva apurada nesta operação. 

(IN RFB Nº 1.022 de 2.010, ART. 49, INCISOS, I e II, LETRA “C”)

Nas operações liquidadas (encerradas) antes do vencimento do contrato (negócios que envolvem somente os prêmios), o valor tributável será o resultado positivo iniciados pelas vendas de contratos e encerrados pelas compras de opções da mesma série.
Para o lançador da opção de venda anotamos que, sendo ele exercido pela compra compulsória dos ativos objetos, descortinam-se duas situações:
a) Caso o preço do exercício seja superior ao do pregão, o custo de aquisição dos ativos objetos será apurado pelo preço pago à contraparte reduzido do valor do prêmio recebido, quando os ativos sejam mantidos em carteira;
b) Caso o preço de exercício seja inferior ao do pregão, o valor tributável será apurado pelo valor da venda dos ativos objetos no mercado à vista, acrescido do valor dos prêmios recebidos, reduzido, devidamente, pelo valor desembolsado com o exercício das opções. O valor tributável será a diferença positiva apurada nesta operação. 

(IN RFB Nº 1.022 DE 2.010, ART. 49, INCISOS, I e II, LETRA “D”.

 

 

MERCADO A TERMO
PARTE COMPRADORA (COMPRADOR DO ATIVO OBJETO) PARTE VENDEDORA (VENDEDOR DO ATIVO OBJETO)
O valor tributável será determinado pela diferença positiva apurada entre o produto da venda dos ativos objetos no mercado à vista, com a finalidade de encerramento da operação a termo, e o preço total pago pelo Termo. A liquidação pode acontecer antes da data prevista de vencimento do contrato.

(IN RFB Nº 1.022 DE 2.010, ART. 51, INICISO I c/c O §1º)

Em se tratando de Vendedor Coberto (aquele que dispunha dos ativos objetos na data da contratação da venda a termo), o valor tributável será determinado pela diferença positiva entre o valor da venda a termo e o custo de aquisição dos ativos vendidos.
No caso de vendedor descoberto, o valor tributável será apurado pela diferença positiva entre o valor do termo e o valor das compras no mercado à vista, acontecidas para fechamento do contrato. 

(IN RFB Nº 1.022 DE 2.010, ART. 51 INCISOS, II e III)

 

 

MERCADO DE FUTUROS
REGRA PARA A PARTE E PARA A CONTRAPARTE
Art. 50. Nos mercados futuros, o ganho líquido será o resultado positivo da soma algébrica dos ajustes diários por ocasião da liquidação dos contratos ou da cessão ou encerramento da posição, em cada mês.
Parágrafo único. Para efeito do disposto neste artigo, os resultados, positivos ou negativos, apurados em cada contrato corresponderão à soma algébrica dos ajustes diários incorridos entre as datas de abertura e de encerramento ou de liquidação do contrato. 

(TRANSCRIÇÃO LITERAL DO ART. 50 DA IN RFB Nº 1.022 DE 2.010)

 

Base de cálculo

20. Base de cálculo é o valor resultante de uma operação simples ou complexa, na qual são computados os valores tributáveis referenciados em Lei e as deduções (despesas e compensações) permitidas, e, sobre o qual incidirá a alíquota determinante do valor devido.

21. No ponto, importa verificar a evolução normativa da descrição legal da base de cálculo em se tratando de tributação dos ganhos líquidos auferidos em Bolsas, sediadas em território nacional, como segue:

BASE DE CÁLCULO: EVOLUÇÃO NORMATIVA
LEI Nº 7.713, DE 22 DE DEZEMBRO DE 1988.

Art 40. Fica sujeita ao pagamento do imposto de renda (….)
§ 1º Considera-se ganho líquido o resultado positivo auferido nas operações ou contratos liquidados em cada mês, admitida a dedução dos custos e despesas efetivamente incorridos, necessários à realização das operações.

LEI Nº 7.799, DE 10 DE JULHO DE 1989.

Art. 55. Ficam sujeitas ao pagamento do imposto de renda (….)
§ 1º Considera-se ganho líquido o resultado positivo auferido nas operações ou contratos liquidados em cada mês, admitida a dedução dos custos e despesas efetivamente incorridos, necessários à realização das operações.

LEI Nº 8.541, DE 23 DE DEZEMBRO DE 1992.

Art. 29. Ficam sujeitas ao pagamento do imposto sobre a renda, (…)
§ 1º Considera-se ganho líquido o resultado positivo auferido nas operações ou contratos liquidados em cada mês, admitida a dedução dos custos e despesas efetivamente incorridos, necessários à realização das operações.

LEI Nº 8.981, DE 20 DE JANEIRO DE 1995.

Art. 72. Os ganhos líquidos auferidos, a partir de 1º de janeiro de 1995, por qualquer beneficiário, inclusive pessoa jurídica isenta, em operações realizadas nas bolsas de valores, de mercadorias, de futuros e assemelhadas, serão tributados pelo Imposto de Renda na forma da Legislação vigente, com as alterações introduzidas por esta lei.
§ 2º Os custos de aquisição dos ativos objetos das operações de que trata este artigo serão:
a) considerados pela média ponderada dos custos unitários;
§ 4º As perdas apuradas nas operações de que trata este artigo poderão ser compensadas com os ganhos líquidos auferidos nos meses subseqüentes, em operações da mesma natureza.

INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 1.022 DE 2.010

Art. 45 (….)
§ 3º Considera-se ganho líquido o resultado positivo auferido nas operações de que tratam os arts. 47 a 51 realizadas em cada mês, admitida a dedução dos custos e despesas incorridos, necessários à realização das operações.
Art. 53. Para fins de apuração e pagamento do imposto mensal sobre os ganhos líquidos, as perdas incorridas nas operações de que tratam os arts. 47 e 49 a 51 poderão ser compensadas com os ganhos líquidos auferidos, no próprio mês ou nos meses subseqüentes, inclusive nos anos calendário seguintes, em outras operações realizadas em qualquer das modalidades operacionais previstas naqueles artigos, exceto no caso de perdas em operações de day-trade, que somente serão compensadas com ganhos auferidos em operações da mesma espécie.

 

22. Por mais de uma vez, como se pode notar, o legislador ordinário fez expressa referência às operações e contratos liquidados em cada mês visando alcançar os fatos geradores definitivamente ocorridos. Somente estas operações encerradas devem fazer parte da formação da base de cálculo, em sua apuração preliminar (Resultado Bruto Positivo). Somados algebricamente todos os resultados alcançados em todos os segmentos (mercado à vista, mercado de opções, mercado a termo e mercado de futuros) e sendo o resultado da operação positivo teremos percorrido a primeira fase de apuração da base de cálculo.

23. Percorrida a primeira fase deveremos dar início a segunda fase da operação, qual seja, a compensação de perdas acumuladas até o período de apuração anterior. Caso o valor desta perda acumulada supere o Resultado Bruto Positivo apurado na primeira fase, compensar-se-á o valor de perda acumulada no exato valor do Resultado Bruto, estocando-se a parcela da perda não compensada para compensação futura quando houver novamente Resultado Bruto Positivo.

24 Transcorrida a segunda fase que é a de compensação de perdas e ainda restar Resultado Bruto Positivo Depois da Compensação de Perdas, poderão ser deduzidas, por que a Lei assim o permite, as despesas incorridas nas operações que compõem a base de cálculo, até o montante do Resultado Bruto Positivo Depois da Compensação de Perdas.

25. No ponto faz-se a seguinte advertência: o fato gerador do imposto de renda da pessoa física difere do fato gerador do imposto de renda da pessoa jurídica; enquanto na pessoa jurídica o fato gerador é o acréscimo patrimonial, na pessoa física o fato gerador é a renda auferida ou consumida; desta diferença decorre que a pessoa física, por princípio só pode levar a efeito a autorizada dedução de despesa quando houver base de cálculo positiva, ou seja, a dedução de uma despesa é um refinamento da apuração da base de cálculo final. Para a pessoa física não tem eficácia normativa o conceito de despesa necessária como acontece com as pessoas jurídicas.

Conclusões

Salvo melhor juízo, o ganho líquido auferido por pessoas físicas, residentes ou domiciliadas no País, em operações realizadas nos segmentos de Bolsa, não constitui uma modalidade de ganho de capital como posto na Pergunta nº 687 da publicação da RFB, conhecida como Perguntão 2011; a venda de ações no mercado à vista no ultimo dia de um mês implicará na apuração de valor tributável e base de cálculo no mês seguinte em razão de preciso comando legal de se computar na base de cálculo somente as operações liquidadas que neste negócio, em particular, se dá com a liquidação financeira; não nos esqueçamos que na data do pregão da ocorrência da venda a CBLC anota a operação como “Lançamento Previsto”; descabe também falar-se em regime de caixa ou regime de competência visto que o fechamento antecipado de um termo pode ocorrer no ultimo dia do mês, implicando em apuração do valor tributável, enquanto a liquidação financeira da venda dos ativos objetos no mercado à vista somente acontecerá no mês seguinte.

O Anexo de Renda Variável da Declaração de Rendimentos tem por função precípua demonstrar a apuração das bases de cálculos mensais e respectivos valores de impostos devidos e pagos. O contribuinte pessoa física deve manejar a declaração de bens e direitos, bem como a declaração de dívidas e ônus reais para controlar a evolução de valores ativos e passivos decorrentes das operações em Bolsa. Assim a Perda Acumulada consubstancia-se em um valor ativo cuja redução anotada entre dois anos calendários será considerada como origem dos recursos na evolução patrimonial. Da mesma forma o lançador de opções no final do mês de dezembro cujas operações serão encerradas somente no mês de janeiro do ano seguinte deve considerar os Prêmios Recebidos como valores passivos a serem informados na declaração de dívidas e ônus reais.

- Publicado pela FISCOSoft em 04/04/2011

RENZO & SEWAYBRICK ASSESSORIA E CONSULTORIA TRIBUTÁRIA LTDA

Dr. Jeferson Roberto Nonato

 

 

 

 

A figura do arbitramento de receita operacional no Regulamento do Imposto de Renda

Lei do ponto fixo

Em 1.994 era Secretário da Receita Federal o tributarista Osíris Azevedo Lopes Filho, já falecido. Preocupado, à época, em dotar a fiscalização de instrumento legal que permitisse a verificação do cumprimento das obrigações tributárias em tempo real, liderou, ele próprio, o processo pré-legislativo que culminou na edição da Lei nº 8.846 de 1.994. Este diploma legal ficou conhecido como Lei do Ponto Fixo porque os Auditores permaneciam no estabelecimento do contribuinte, por tempo determinado, acompanhando a devida emissão do documento fiscal, ou recibo, no ato da ocorrência da operação de venda ou da prestação do serviço.

O acompanhamento presencial, também, se prestava ao procedimento que apurava, na forma da Lei, a receita mínima a ser computada na apuração dos impostos federais e das contribuições sociais (§6º do art. 6º da Lei 8.846/94) nos futuros meses de validade do arbitramento. No processo administrativo ficavam, devidamente, formalizados os cálculos aritméticos das médias diárias de faturamento que serviam de parâmetro para a projeção da receita mínima arbitrada pelo prazo máximo de doze meses.

De sua parte o contribuinte deveria pagar os impostos federais e contribuições sociais, devidos mensalmente, com base da receita mínima arbitrada, e, por ocasião do encerramento, do período anual de apuração, era feito o ajuste de forma similar ao que acontece hoje em dia com as antecipações. Caso os tributos pagos, com base nas rendas arbitradas, superassem o que devido pela apuração real, o contribuinte pleiteava a restituição do excedente.

Infere-se, portanto, que a referida Lei encerrava em si, verdadeiro regime tributário de antecipações, a ser aplicado em Auditorias Especiais – Ponto Fixo -, no transcurso do ano calendário da formação do fato gerador do imposto de renda das pessoas jurídicas.

A norma, em foco, fora construída pela interação de diversos preceitos técnicos, harmônicos e integrados entre si; os diversos artigos combinados compunham uma única norma jurídica, disciplinadora dos procedimentos administrativos especiais e da obrigação de pagamento mínimo de impostos federais e contribuições sociais até a definitiva apuração dos valores devidos. Resta que dispositivos isolados da Lei nº 8.846/94 não amparam a conduta de autoridades fiscais quando arbitram a valor da receita omitida a partir de critérios econômicos ou financeiros, ainda que estes preceitos permaneçam transcritos no Regulamento do Imposto de Renda e não estejam formalmente revogados.

Omissão de receitas no Regulamento do Imposto de Renda

Como disciplina normatizada, o fenômeno Omissão de Receitas está tratado no Regulamento do Imposto de Renda (Decreto nº 3.000/99, RIR/99) com a seguinte ordenação:

CAPÍTULO V LUCRO OPERACIONAL
Seção I Disposições Gerais
Seção II Lucro Bruto
Subseção I Disposições Gerais sobre Receitas
Subseção II Omissão de Receitas

 

Nesta Subseção II foram insertos os artigos da Lei nº 8.846/94 que como já vimos encerrava a disciplina legal de projeção futura de renda mínima, em caráter transitório, sem nenhuma afinidade, portanto, com a matéria omissão de receitas propriamente dita. Reproduzamos os artigos da referida Lei, postos nesta parte do Regulamento:

Falta de Emissão de Nota Fiscal
Art. 283. Caracteriza omissão de receita ou de rendimentos, inclusive ganhos de capital, a falta de emissão de nota fiscal, recibo ou documento equivalente, no momento da efetivação das operações de venda de mercadorias, prestação de serviços, operações de alienação de bens móveis, locação de bens móveis e imóveis ou quaisquer outras transações realizadas com bens ou serviços, bem como a sua emissão com valor inferior ao da operação (Lei nº 8.846, de 1994, art. 2º).
Arbitramento da Receita por Indícios de Omissão
Art. 284. Verificada por indícios a omissão de receita, a autoridade tributária poderá, para efeito de determinação da base de cálculo sujeita à incidência do imposto, arbitrar a receita do contribuinte, tomando por base as receitas, apuradas em procedimento fiscal, correspondentes ao movimento diário das vendas, da prestação de serviços e de quaisquer outras operações (Lei nº 8.846, de 1994, art. 6º).
§ 1º Para efeito de arbitramento da receita mínima do mês, serão identificados pela autoridade tributária os valores efetivos das receitas auferidas pelo contribuinte em três dias alternados desse mesmo mês, necessariamente representativos das variações de funcionamento do estabelecimento ou da atividade (Lei nº 8.846, de 1994, art. 6º, § 1º).
§ 2º A renda mensal arbitrada corresponderá à multiplicação do valor correspondente à média das receitas apuradas na forma do § 1º pelo número de dias de funcionamento do estabelecimento naquele mês (Lei nº 8.846, de 1994, art. 6º, § 2º).
§ 3º O critério estabelecido no § 1º poderá ser aplicado a, pelo menos, três meses do mesmo ano-calendário (Lei nº 8.846, de 1994, art. 6º, § 3º).
§ 4º No caso do parágrafo anterior, a receita média mensal das vendas, da prestação de serviços e de outras operações correspondentes aos meses arbitrados será considerada suficientemente representativa das receitas auferidas pelo contribuinte naquele estabelecimento, podendo ser utilizada, para efeitos fiscais, por até doze meses contados a partir do último mês submetido às disposições previstas no § 1º (Lei nº 8.846, de 1994, art. 6º, § 4º).
§ 5º A diferença positiva entre a receita arbitrada e a escriturada no mês será considerada na determinação da base de cálculo do imposto (Lei nº 8.846, de 1994, art. 6º, § 6º).
§ 6º O disposto neste artigo não dispensa o contribuinte da emissão de documentário fiscal, bem como da escrituração a que estiver obrigado pela legislação comercial e fiscal (Lei nº 8.846, de 1994, art. 6º, § 7º).
§ 7º A diferença positiva a que se refere o § 5º não integrará a base de cálculo de quaisquer incentivos fiscais previstos na legislação tributária (Lei nº 8.846, de 1994, art. 6º, § 8º).
Art. 285. É facultado à autoridade tributária utilizar, para efeito de arbitramento a que se refere o artigo anterior, outros métodos de determinação da receita quando constatado qualquer artifício utilizado pelo contribuinte visando a frustrar a apuração da receita efetiva do seu estabelecimento (Lei nº 8.846, de 1994, art. 8º).

Nesta Subseção II também estão postos outros dispositivos legais que versam sobre presunções legais de omissão de receitas tais como saldo credor de caixa, passivo fictício, omissão de pagamento, auditoria de produção, suprimento de caixa e depósitos bancários não contabilizados. Estas são normas processuais de investigação de fatos passados, reveladores de omissão de receitas, que são apurados pela fiscalização. A omissão de receitas é, então, apurada e não arbitrada.

Vale apontar, também, que não se pode confundir a natureza das normas adjetivas, ou processuais, como são as presunções legais citadas, com a natureza das normas que estabelecem a tributação de certa renda mínima (renda criada por Lei) em situações especialíssimas como é o caso dos Sinais Exteriores de Riqueza ou da Distribuição Disfarçada de Lucros.

Por isso, teria sido de bom alvitre localizar os dispositivos da Lei nº 8.846/94, vinculados ao Ponto Fixo, em outro Capítulo do Regulamento, mais alinhado com o regime tributário das antecipações. Todavia a organização do Regulamento do Imposto de Renda não pode justificar o erro de direito de qualquer intérprete, visto que a exegese é sempre da Lei e não do Regulamento.

Movimentação financeira incompatível com a receita declarada.

Desde a edição da Lei Complementar nº 104 de 2.001 que permitiu o acesso direto, da Receita Federal do Brasil, às informações bancárias dos contribuintes, as fiscalizações orientadas por depósitos bancários não contabilizados se multiplicaram por todo País. Não foram poucos os casos em que a fiscalização se limitou a intimar o fiscalizado para justificar a origem dos recursos depositados e , frente ao silêncio do intimado, lançou mão do recurso processual que hoje consta do art. 287 do RIR/99. Deste contexto vamos particularizar os casos das empresas de fomento mercantil, as “factorings”, tendo em vista que tais ocorrências ilustram melhor este pronunciamento.

Quando a fiscalização apura que uma empresa de factoring deixou de contabilizar um elevado número de depósitos bancários, não justificados nem no curso da ação fiscal, surge a dificuldade na eleição do critério jurídico de tributação adequado àquela realidade concreta. A primeira alternativa que aparece é a de ordem processual que consta do art. 287 do RIR/99. Presume-se omissão de receita, no valor do próprio depósito questionado, quando apurada a existência do depósito bancário sem que o contribuinte prove a origem dos recursos empregados na operação.

Todavia, o cego emprego desta Presunção Legal pode contrariar de forma indireta preceitos normativos de ordem superior como é o caso da capacidade contributiva. Tratar a soma algébrica dos depósitos não comprovados como receita omitida pode levar o ato do lançamento de ofício às raias do absurdo. Até o senso comum revela que o valor do crédito a ser constituído é incompatível com o capital empregado e com a forma de atuação econômica do contribuinte. De outro lado é cediço que qualquer interpretação jurídica será rechaçada se o resultado for absurdo.

A segunda alternativa está consagrada na letra “a” do inciso II do art. 530 do Regulamento em vigor que versa sobre as situações de arbitramento de lucro. Assim sendo quando a contabilidade do contribuinte contiver vícios que a tornem imprestável à perfeita identificação da movimentação bancária, a autoridade tributária deve arbitrar o lucro, desconsiderando o regime tributário apontado pelo contribuinte, em sua declaração- DIPJ- ou seja, tributação pelo Lucro Real.

Diga-se, de passagem, que os critérios de do arbitramento de lucro não contemplam depósitos bancários como base parâmetro de arbitramento. Esta lacuna dificulta o arbitramento do lucro das empresas de factoring porque os demais critérios aparentam não guardar relação com este tipo de atividade.

Ocorre que a prática fiscal fez surgir uma terceira alternativa de duvidosa legalidade. Estamos nos referindo aos casos de empresas de fomento mercantil, submetidas à fiscalização com base em depósitos bancários, em que o Auditor responsável, ou mesmo o órgão julgador, tentou fazer justiça com as próprias mãos. A construção desta terceira alternativa partiu da listagem dos próprios depósitos não justificados.

Listados estes depósitos, se tomou cada evento como sendo uma operação de fatorização. Conhecido o numero de operações buscou-se imputar o preço de mercado de cada operação. Por sua vez o preço foi determinado multiplicando-se o valor de cada depósito pelo FATOR ANFAC – fator financeiro publicado pela entidade de classe das empresas de fomento mercantil-. Neste diapasão chegou-se um particular valor tributável como se “RENDA BRUTA CONHECIDA” fosse.

Para fundamentar juridicamente a legalidade de tal formulação, alguém teria invocado o dispositivo de Lei inserto do art. 285 do RIR/99, já comentado anteriormente e que, por oportuno, trazemos à cola novamente:

Art. 285. É facultado à autoridade tributária utilizar, para efeito de arbitramento a que se refere o artigo anterior, outros métodos de determinação da receita quando constatado qualquer artifício utilizado pelo contribuinte visando a frustrar a apuração da receita efetiva do seu estabelecimento (Lei nº 8.846, de 1994, art. 8º).

Ora, este dispositivo não tem a elasticidade pretendida; sua aplicação e eficácia se esgotam nas Auditorias Especiais de Ponto Fixo, com a função especifica de se apurar certo pagamento mínimo de antecipações futuras.

O método de quantificação das operações também não merece guarida do sistema normativo porque a ocorrência de um negócio jurídico, diferente do próprio negócio depósito, a partir do extrato bancário deve ser provada e não presumida. O depósito bancário seria no máximo um fato indiciário comum da ocorrência de uma operação de fatorização. Caberia à fiscalização provar que cada depósito representava uma operação. Não nos esqueçamos que uma empresa de fomento mercantil pratica outras atividades além da simples compra de faturamento, como o de cobrança pura e simples de duplicatas de terceiros.

De outro lado também temos que a determinação de valor tributável de certa operação, com base em preços de mercado, só tem lugar quando houver Lei que permita a desconsideração do preço estampado pelo investigado em seus documentos probatórios, mesmo assim sempre ressalvado o direito à avaliação contraditória. Depósito bancário nunca foi parâmetro para determinação de preço de operação.

Assim, tudo indica que esta terceira alternativa, resultou efetivamente em uma espécie de arbitramento de lucro não autorizada, porque não prevista em Lei. Resulta, tal procedimento, em frontal ofensa ao princípio da estrita legalidade nos termos do que consta do inciso IV do art. 97 do Código Tributário Nacional:

Art. 97 – Somente a lei pode estabelecer:
IV – a fixação da alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;
Jurisprudência administrativa
Em sessão datada de 17 de Outubro de 2.007, a Terceira Câmara do Primeiro Conselho de Contribuintes, em decisão colegiada promulgou o Acórdão de 103-23212, quando apreciou o Recurso Voluntário de nº 158477 interposto por uma empresa de fomento mercantil. O resultado do julgamento foi apenas a redução da multa qualificada para o percentual normal de 75% incidente em lançamento de oficio. Vejamos as centrais conclusões deste julgamento administrativo:
Presunção legal. ônus da prova.
O artigo 42, da Lei nº 9.430/96, estabeleceu a hipótese da caracterização de omissão de receita com base em movimentação financeira não comprovada. A presunção legal trazida ao mundo jurídico pelo dispositivo em comento torna legítima a exigência das informações bancárias e transfere o ônus da prova ao sujeito passivo, cabendo a este prestar os devidos esclarecimentos quanto aos valores movimentados.
Extratos bancários. Utilização no procedimento fiscal. Cabimento.
A utilização de informações bancárias no procedimento fiscal, com vistas à apuração do crédito tributário relativo a tributos e contribuições, tem respaldo no artigo 1º da Lei nº 10.174, de 9 de janeiro de 2001, que deu nova redação ao § 3º, do artigo 11 da Lei nº 9.611, de 24 de outubro de 1996.
Lucro Arbitrado. aplicabilidade.
Cabível o arbitramento do lucro quando o sujeito passivo, obrigado à apuração do resultado pelo lucro real, não apresenta escrituração na forma da legislação comercial e fiscal.
Publicado no D.O.U. nº 230 de 30/11/2007.

Extrai-se deste Julgado que a presunção legal esculpida no art. 42 da Lei 9.430 – cada depósito não justificado caracteriza omissão de receita- foi aplicada em sua inteireza, ou seja, sem sofrer qualquer ajuste não previsto em Lei para quantificar a receita omitida. Determinado o valor da receita omitida o lucro do contribuinte foi arbitrado em perfeita consonância com o mandamento legal (poder- dever) previsto no art. 24 da Lei nº 9.249/95 que dispõe:

Art. 24. Verificada a omissão de receita, a autoridade tributária determinará o valor do imposto e do adicional a serem lançados de acordo com o regime de tributação a que estiver submetida a pessoa jurídica no período-base a que corresponder a omissão.
§ 1º No caso de pessoa jurídica com atividades diversificadas tributadas com base no lucro presumido ou arbitrado, não sendo possível a identificação da atividade a que se refere a receita omitida, esta será adicionada àquela a que corresponder o percentual mais elevado.
§ 2º O valor da receita omitida será considerado na determinação da base de cálculo para o lançamento da contribuição social sobre o lucro líquido, da contribuição para a seguridade social – COFINS e da contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público – PIS/PASEP.

Note-se que a tributação da receita omitida deve ser levada a efeito pelo regime tributário a que estiver submetida, por Lei, a pessoa jurídica e não no regime tributário apresentado na declaração de rendimentos. Em se tratando de depósitos bancários não contabilizados, deve-se arbitrar o lucro da pessoa jurídica em razão do disposto no art. 47 da Lei nº 8.981/95, in verbis:

Art. 47. O lucro da pessoa jurídica será arbitrado quando:
I – o contribuinte, obrigado à tributação com base no lucro real ou submetido ao regime de tributação de que trata o Decreto-Lei nº 2.397, de 1987, não mantiver escrituração na forma das leis comerciais e fiscais, ou deixar de elaborar as demonstrações financeiras exigidas pela legislação fiscal;
II – a escrituração a que estiver obrigado o contribuinte revelar evidentes indícios de fraude ou contiver vícios, erros ou deficiências que a tornem imprestável para:
a) identificar a efetiva movimentação financeira, inclusive bancária; ou
b) determinar o lucro real.

Portanto não merece reparos, de qualquer sorte, o julgado apresentado eis que o lançamento de ofício como ato administrativo plenamente vinculado restou consagrado. A perfeita adequação do fato à lei abstrata foi rigorosamente observada.

Entretanto naquele órgão administrativo de julgamento existem outras decisões que divergem desta transcrita. Citemos, por exemplo, outro Acórdão do mesmo ano de 2.007 e da mesma Terceira Câmara, o Acórdão de nº 103-22.987, referente ao Recurso Voluntário de nº 146.531, também interposto por uma empresa de fomento mercantil, cujo núcleo da ementa é o seguinte:

IRPJ – CSLL – ARBITRAMENTO DE LUCROS – BASE DE CÁLCULO – DEPÓSITOS BANCÁRIOS – EMPRESAS DE FOMENTO MERCANTIL
- A receita bruta das empresas de factoring corresponde à diferença entre o valor de aquisição e o valor de face do título ou direito creditório adquirido, não se prestando o somatório dos depósitos bancários não contabilizados como base de cálculo de arbitramento de lucros.

No mesmo sentido o Acórdão da 8ª Câmara do Primeiro Conselho de Contribuintes de nº 108-09.711 de 2.008:

ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA JURÍDICA – IRPJ -
Exercício: 2001, 2002, 2003, 2004 – ARBITRAMENTO – FACTORING – O arbitramento deve ser mantido quando se verifica omissão de receita sem comprovação de origem e o contribuinte não tem escrituração regular, mas em se verificando a operação de factoring a base de cálculo deve ser reduzida de acordo com os índices de lucratividade da atividade de factoring.

E ainda outra ementa mais elucidativa como a do Acórdão 108-09.632 da Oitava Câmara:

ARBITRAMENTO DOS LUCROS – OMISSÃO DE RECEITAS POR PRESUNÇÃO LEGAL BASE DE CÁLCULO – APURAÇÃO DA RECEITA AUFERIDA – EMPRESA DE FACTORING – FATOR ANFAC -
Existindo nos autos provas robustas de que a recorrente exerce a atividade de factoring a base tributável deve ser apurado pela aplicação, sobre o valor dos depósitos/créditos bancários, do “Fator de compra”, indicador publicado diariamente pela ANFAC-Associação Nacional das Sociedades de Fomento Mercantil-Factoring e que serve de referência para os negócios de fomento no país. O Fator ANFAC constitui um preço de referência para o mercado nas suas relações com as empresas- clientes. O Fator é a precificação da compra de créditos, computando- se todos os itens de custeio de uma sociedade de fomento. Com este método se apura a receita efetivamente auferida.
Recurso parcialmente provido.

Nestes últimos Acórdãos se vislumbra efetivamente um ato jurídico complexivo, encadeado por uma primeira fase de ARBITRAMENTO DA RECEITA como medida preparatória para o ARBITRAMENTO DO LUCRO. Não se trata de simples precificação como possa parecer.

Ora se o depósito bancário não justificado, por si só, caracteriza omissão de receita, o evento jurisdicisado já está precificado; o recurso processual posto à disposição do Fisco não é um cheque em branco para que a autoridade tributária estabeleça base de cálculo ou precificação diversa da estabelecida. Ninguém está obrigado a lançar mão da presunção legal, mas quem assim procede está obrigado a aplicá-la em sua integralidade. Considerações de ordem econômica só têm lugar na fase de elaboração da norma jurídica e não por ocasião de sua aplicação.

Devemos ainda assentar que o primeiro critério de Arbitramento do Lucro é o da “Receita Bruta Conhecida”. Não se pode extrair desta expressão que a “Receita Bruta Conhecida” possa ser apurada a partir de um equação financeira. Não há previsão legal para tanto. Insistimos: em matéria de base de cálculo impera o princípio da estrita legalidade.

Conclusões

1ª O disposto nos arts. 284 e 285 do Regulamento do Imposto de Renda aprovado pelo Decreto nº 3.000 de 1.999 não autorizam o ARBITRAMENTO DE RECEITA pelo Fisco em procedimentos de revisão de ofício de lançamentos, motivados por declaração inexata;

2ª Por versarem sobre base de cálculo de tributo, os preceitos legais do regime tributário do LUCRO ARBITRADO devem ser interpretados literalmente;

3ª A não escrituração de elevado numero de depósitos bancários impõe a tributação da pessoa jurídica pelo LUCRO ARBITRADO.

4ª Eleito o critério de arbitramento fundado na “Receita Bruta Conhecida”, em conformidade com o disposto no art. 532 do RIR/99, a receita será tomada em seu valor originário, ou seja, sem nenhuma precificação diversa daquela presente em Lei; caso este critério jurídico revele um resultado absurdo, está patente que a RECEITA BRUTA não é conhecida em sentido jurídico; neste caso há de se abandonar este critério para emprego de outro mais adequado à realidade fática e desde que previsto em Lei.

5ª Quando o Conselho de Contribuintes acata, em parte, as razões do recurso do contribuinte para reduzir a receita bruta, com base no FATOR ANFAC, está em verdade fazendo um segundo lançamento, amparado em critério jurídico diverso do aplicado quando da autuação, sem autorização para tal. Assim restaria ao Conselho de Contribuintes desprover por completo o recurso interposto, mantendo o crédito tributário lançado, ou, exonerar o contribuinte do crédito tributário correspondente por erro de direito; descabe qualquer solução intermediária visando salvar em parte o processo.

- Publicado pela FISCOSoft em 14/02/2011

RENZO & SEWAYBRICK ASSESSORIA E CONSULTORIA TRIBUTÁRIA LTDA

Dr. Jeferson Roberto Nonato

 

 


Ganhos de capital realizados na incorporação de ações. 
Subsidiária integral

O Direito Privado Brasileiro acolhe a figura da companhia unipessoal como sendo a companhia que tem por único acionista outra sociedade brasileira, denominando-a de Subsidiária Integral em conformidade com o disposto no art. 251 da Lei nº 6.404/76 (Lei das Sociedades por Ações). A Subsidiária Integral pode ser constituída em sua forma originária ou derivada. A constituição originária se dá quando certa companhia pluripessoal destaca parcela de seu patrimônio para a integralização do capital social da companhia em formação. Já a constituição derivada ocorre quando certa sociedade adquire a totalidade das ações de outra companhia, mediante procedimento especifico de Incorporação de Ações (§§ 1º e 2º do art. 251 c/c o art. 252 todos da Lei nº 6.404/76). Infere-se, assim, dos comandos normativos que somente uma sociedade empresarial e pluripessoal pode constituir uma Subsidiária Integral que assume sua personificação não por deliberações de pessoas, mas, por deliberações de órgãos de administração de sociedades empresariais que atuam por conta de seus acionistas. Dispõe neste sentido o art. 252 da Lei nº 6.404/76, verbis:

Incorporação de Ações
Art. 252. A incorporação de todas as ações do capital social ao patrimônio de outra companhia brasileira, para convertê-la em subsidiária integral, será submetida à deliberação da assembléia-geral das duas companhias mediante protocolo e justificação, nos termos dos artigos 224 e 225.
§ 1º A assembléia-geral da companhia incorporadora, se aprovar a operação, deverá autorizar o aumento do capital, a ser realizado com as ações a serem incorporadas e nomear os peritos que as avaliarão; os acionistas não terão direito de preferência para subscrever o aumento de capital, mas os dissidentes poderão retirar-se da companhia, observado o disposto no art. 137, II, mediante o reembolso do valor de suas ações, nos termos do art. 230.
§ 2º A assembléia-geral da companhia cujas ações houverem de ser incorporadas somente poderá aprovar a operação pelo voto de metade, no mínimo, das ações com direito a voto, e se a aprovar, autorizará a diretoria a subscrever o aumento do capital da incorporadora, por conta dos seus acionistas; os dissidentes da deliberação terão direito de retirar-se da companhia, observado o disposto no art. 137, II, mediante o reembolso do valor de suas ações, nos termos do art. 230. (grifamos)

Do texto inserto no § 2º vale destacar a referência aos acionistas minoritários, ou seja, caso estes não concordem com a Deliberação, de verem suas ações incorporadas, terão de retirar-se da sociedade exigindo o reembolso do valor de suas ações. Vale dizer: caso os minoritários não se manifestem haverá alienação de suas ações em conjunto com a alienação das ações dos controladores, porque acontecerá a transmissão da titularidade de todas as ações para outra pessoa jurídica, denominada Incorporadora. Não se tratando de transmissão gratuita, haverá por parte da adquirente a entrega, aos alienantes, de ativos de sua emissão eis que as ações incorporadas destinam-se exclusivamente à integralização do aumento do capital social da incorporadora.

Comentando esta figura jurídica leciona Modesto Carvalhosa: “Trata-se, o negócio de incorporação de ações, ao mesmo tempo de uma incorporação e de uma alienação fictas. No primeiro caso, porque não se incorpora uma sociedade em outra, na medida em que a incorporada subsiste como pessoa jurídica, ou seja, como sociedade mercantil de direito privado, revestindo o tipo companhia. No segundo caso, porque o controlador da sociedade incorporada aliena não apenas suas ações à incorporadora, mas também as dos minoritários, num negócio sui generis, que lembra a expropriação do direito administrativo. Trata-se, com efeito, de negócio sui generis, a que, por lei, está permanentemente sujeito o acionista minoritário da incorporada: ter suas ações vendidas à incorporadora independentemente de sua vontade(…)” (Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, Saraiva, 1998, Tomo II, fls. 132).

A especificidade do negócio, como ensina o Mestre, merece destaque quando fica evidente que a venda de ações, nesta operação societária, pode se consumar independentemente da manifestação de vontade do vendedor, ou da existência de fluxo financeiro, e produzir todos os efeitos jurídicos que lhes são próprios.

O preço da alienação das ações incorporadas

Por Assembléia Geral, previamente, a Incorporadora deverá nomear peritos e aprovar o Laudo de Avaliação das Ações a serem incorporadas. Esta avaliação deverá ocorrer em consonância com um ou todos os critérios de avaliação previstos no § 1º do art. 170 da Lei nº 6.404/76 com redação alterada pela Lei nº 9.457 de 1.997 (rentabilidade futura, valor patrimonial ou valor de Bolsa, admitido o ágio ou o deságio em função das condições de mercado). Aprovada a operação caberá ainda à Assembléia Geral autorizar o aumento do capital social.

Para os alienantes, embora ausente qualquer fluxo financeiro, o preço da venda de suas ações será determinado pelo valor da transmissão, configurada na Incorporação de Ações, que se materializa pela quantidade de ações recebidas da Incorporadora multiplicada pelo valor unitário de emissão. Este é o preço da operação que se liquida pelo pagamento na forma de Instrumentos Patrimoniais.

Ganhos de capital nas alienações de participações societárias. Disciplina tributária

De plano devemos focar a hipótese em que a titularidade das ações alienadas, em situação de Incorporação de Ações, fosse detida por uma Pessoa Jurídica. Para esta hipótese, já vigorou, entre nós, o que disposto no art. 36 da Lei nº 10.637/2.002. Tal regra permitia que a Pessoa Jurídica alienante, em caso de Incorporação de Ações, deslocasse a tributação sobre os Ganhos de Capital para o momento da alienação, baixa ou liquidação das ações que foram adquiridas no processo de Incorporação de Ações. Os termos de tal dispositivo eram os seguintes:

Art. 36. Não será computada, na determinação do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido da pessoa jurídica, a parcela correspondente à diferença entre o valor de integralização de capital, resultante da incorporação ao patrimônio de outra pessoa jurídica que efetuar a subscrição e integralização, e o valor dessa participação societária registrado na escrituração contábil desta mesma pessoa jurídica.
§ 1º O valor da diferença apurada será controlado na parte B do Livro de Apuração do Lucro Real (Lalur) e somente deverá ser computado na determinação do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido:
I – na alienação, liquidação ou baixa, a qualquer título, da participação subscrita, proporcionalmente ao montante realizado;
II – proporcionalmente ao valor realizado, no período de apuração em que a pessoa jurídica para a qual a participação societária tenha sido transferida realizar o valor dessa participação, por alienação, liquidação, conferência de capital em outra pessoa jurídica, ou baixa a qualquer título.
§ 2º Não será considerada realização a eventual transferência da participação societária incorporada ao patrimônio de outra pessoa jurídica, em decorrência de fusão, cisão ou incorporação, observadas as condições do § 1º.

Esta permissão legal foi amplamente utilizada em Planejamentos Tributários e Societários, terminando revogada pelo art. 15 da Medida Provisória nº 232 de 30 de Dezembro de 2.004.

Desta citação legal, se pode extrair que o legislador ordinário sempre reconheceu a ocorrência de Ganhos ou Perdas de Capital em situação de Incorporação de Ações, não importando para tal configuração, a inexistência de fluxo financeiro ou de manifestação de vontade do titular das ações alienadas. Não se tem na espécie mera substituição de ativos, como advogado por alguns. Efetivamente o ato jurídico encerra uma das espécies do gênero alienação que pode gerar ganho ou perda de capital para o alienante porque se materializa a transmissão onerosa da propriedade de ativos, sempre passível de avaliação em termos de moeda corrente.

Neste mesmo sentido fora introduzido no ordenamento jurídico tributário a exigência de comprovação do pagamento do imposto de renda sobre o ganho de capital incidente na alienação de ações fora de bolsa e sem intermediação antes mesmo se obter o registro da transferência da titularidade. Segue os termos da exigência constante do art. 5º e §§ da Lei nº 11.033 de 2.004:

Art. 5º Na transferência de titularidade de ações negociadas fora de bolsa, sem intermediação, a entidade encarregada de seu registro deverá exigir o documento de arrecadação de receitas federais que comprove o pagamento do imposto de renda sobre o ganho de capital incidente na alienação ou declaração do alienante sobre a inexistência de imposto devido, observadas as normas estabelecidas pela Secretaria da Receita Federal.
§ 1º Quando a transferência for efetuada antes do vencimento do prazo legal para pagamento do imposto devido, a comprovação de que trata o caput deste artigo deverá ocorrer em até 15 (quinze) dias após o vencimento do referido prazo, ao final do qual, caso não tenha sido realizada, a entidade deverá comunicar o fato à Secretaria da Receita Federal na forma e prazo por ela regulamentados.
§ 2º O descumprimento do disposto neste artigo sujeita a entidade à multa de 30% (trinta por cento) do valor do imposto devido.

Em 2.008 a Receita Federal do Brasil expediu a Instrução Normativa RFB nº 892 para regulamentar o dispositivo legal transcrito e criou a obrigação acessória corporificada na obrigatoriedade da entrega da Declaração de Transferência de Titularidade de Ações – DTTA – que não excepciona a situação de Incorporação de Ações. A obrigatoriedade se faz presente em todos os casos de alienação de ações fora de bolsa em sem intermediação.

Lembramos que as Ofertas Públicas de Ações (IPO) se conformam a situação de alienação de ações fora de bolsa com intermediação e por isso não estão sujeitas às exigências da IN RFB nº 892 de 2.008.

Quando a transferência de titularidade envolver a pessoa física como alienante, temos por normas cogentes as disposições da Lei nº 7.713/88: o artigo 1º de tal diploma legal assenta a tributação dos rendimentos e dos ganhos de capital auferidos por pessoas físicas; o imposto sobre o ganho de capital é devido por ocasião da percepção do ganho, nos termos do art. 2º; o § 2º do art. 3º traz o conceito do que seja ganho de capital da pessoa física, como sendo “a diferença positiva entre o valor de transmissão do bem ou direito e o respectivo custo de aquisição”; o alcance do conceito de ganho de capital consta do § 3º do art. 3º e prescreve que na apuração do ganho de capital serão consideradas as operações que importem alienação, a qualquer título, de bens ou direitos; o art. 16 impõe como custo de aquisição dos bens e direitos alienados, para efeito de apuração do ganho de capital, o preço da aquisição, destacando que se poderá tomar por “preço da aquisição” o valor pago em situação de ter ocorrido fluxo financeiro e, vai mais além para listar alternativas secundárias de determinação do custo de aquisição quando não for possível se ter o preço da aquisição.

Neste contexto, se deve dar especial atenção ao conceito normativo que consta do art. 19 da Lei nº 7.713 de 1.988 que literalmente estatui: ” Valor da transmissão é o preço efetivo de operação de venda ou da cessão de direitos, ressalvado o disposto no art. 20 desta Lei.” Releva-se, no ponto, que esta norma não impõe dever algum aos contribuintes, muito menos impõe uma conduta ou uma penalidade; cuida-se de uma norma meramente conceitual a ser empregada no âmbito do Direito Tributário, para fins específicos de apuração do ganho ou perda de capital, que prevalece sobre qualquer outro conceito do Direito Privado. Assim o preço efetivo da operação da venda é o valor da transmissão, tenha havido ou não fluxo financeiro na operação. Por isso mesmo, para fins de apuração de ganhos ou perdas de capital das pessoas físicas em situação de transferência de titularidade de ações, descabem considerações de outras ordens tal qual a prevalência do regime de caixa na tributação das pessoas físicas.

È bem verdade que na vida real poderá acontecer algum caso onde a aplicação da norma constitucional poderá resultar em ato concreto ofensivo ao postulado da proporcionalidade das normas em geral. Estamos nos referindo a uma situação em que o contribuinte transfira a titularidade de suas ações sem fluxo financeiro na operação. Logicamente, não dispondo de recursos líquidos, o devedor terá dificuldade em saldar sua obrigação tributária.

A mencionada situação hipotética não é impossível de acontecer nos casos de Incorporação de Ações; como já vimos os acionistas minoritários não se manifestam por ocasião da alienação de suas ações, cuja deliberação, por sua conta, é tomada juridicamente pela Assembléia Geral da Incorporada. Assim restará ao Poder Judiciário, com absoluta exclusividade, a adequação da aplicação da norma constitucional ao caso concreto (proporcionalidade in concreto), quando provocado por algum contribuinte pessoa física que lograr demonstrar todas as peculiaridades da ocorrência e a injustiça da imposição legal.

Fundos de investimento em participações-isenção

A constituição e administração dos Fundos de Investimentos em Participações (FIP) estão disciplinadas na Instrução CVM nº 391 de 16 de julho de 2.003. Segundo consta do art. 2º de tal ato normativo o Fundo de Investimento em Participações é uma comunhão de recursos destinados à aquisição de ações (ou outros valores mobiliários conversíveis em ações) de companhias fechadas ou abertas, juridicamente formados como condomínios fechados para efetiva participação nos negócios da companhia investida.

Na seara tributária os FIP foram reconhecidos pela Lei nº 11.312 de 27 de junho de 2.006 quando ficou estabelecido no art. 2º da Lei que os rendimentos auferidos pelos cotistas por ocasião do resgate ou da liquidação dos fundos seria tributada à alíquota de 15% incidente sobre a diferença positiva entre o valor do resgate e o custo de aquisição das cotas. Para os casos de alienação de cotas destes Fundos fora do mercado bursátil deve ser tributado de acordo com as regras aplicáveis ao ganho de capital na alienação de bens e direitos.

Neste regime tributário incluem-se somente os Fundos que além de cumprirem toda a regulamentação da CVM, mantenham, no mínimo, 67% de seus investimentos em ações de sociedades anônimas, debêntures conversíveis e bônus de subscrição.

Como se constata a Lei nº 11.312 reconhece a figura jurídica do FIP e estabelece o regime tributário a ser observado pelos cotistas. Tal diploma legal não versa propriamente sobre os ganhos auferidos pelos próprios fundos. Assim não há na referida Lei disposição que literalmente expresse a isenção cabível nos casos de ganhos de capital auferidos pelos Fundos. É claro que os ganhos dos FIP não estão sujeitos à tributação porque a própria a Lei elegeu como hipótese de incidência o resgate das cotas ou mesmo a liquidação do fundo. No ponto lembramos a vedação constitucional conhecida como “bis in idem” que aconteceria caso se tributasse o fundo e seu cotista em relação ao mesmo ganho.

Esta isenção imprópria vem afirmada no Capitulo I da IN RFB nº 1.022 de 2.010 que versa sobre os Fundos de Investimentos de Residentes no País, mais especificamente no art. 14 da Instrução Normativa, nos seguintes termos:

Art. 14. São isentos do imposto sobre a renda:
I – os rendimentos e ganhos líquidos ou de capital, auferidos pelas carteiras dos fundos de investimento;

Esta imprópria isenção alcançará, portanto, os ganhos de capital auferidos em situação de Incorporação de Ações quando o titular das ações incorporadas seja um Fundo de Investimentos em Participações.

De outro lado cabe advertir que, na constituição dos fundos, as pessoas físicas ou jurídicas sujeitar-se-ão ao que disposto no Ato Declaratório Interpretativo que se transcreve:

Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 7, de 24 de maio de 2007
DOU de 25.5.2007
Dispõe sobre a incidência do imposto de renda na integralização de cotas de fundos ou clubes de investimentos por meio da entrega de títulos ou valores mobiliários.
O SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL – SUBSTITUTO, no uso da atribuição que lhe confere o inciso III do art. 224 do Regimento Interno da Secretaria da Receita Federal do Brasil, aprovado pela Portaria MF nº 95, de 30 de abril de 2007, e tendo em vista o disposto nos arts. 3º, 16, 19 e 20 da Lei no 7.713, de 22 de dezembro de 1988, e no art. 23 da Lei no 9.249, de 26 de dezembro de 1995, e o que consta do processo no 10168.001281/2007-43, declara:
Artigo único. O imposto de renda devido sobre o ganho de capital apurado na integralização de cotas de fundos ou clubes de investimentos por meio da entrega de títulos ou valores mobiliários deve ser pago até o último dia útil do mês subseqüente à data da integralização à alíquota de 15% (quinze por cento).
§ 1º Na hipótese de que trata o caput, considera-se ganho de capital a diferença positiva entre o valor de mercado dos títulos ou valores mobiliários alienados, na data da integralização das cotas, e o respectivo custo de aquisição.
§ 2º A Secretaria da Receita Federal do Brasil, mediante processo regular, arbitrará o valor ou preço informado pelo contribuinte, sempre que não mereça fé, por notoriamente diferente do de mercado.

Subscrição de capital social em bens e direitos

Sem dúvida a Subscrição de Capital em Bens e Direitos guarda semelhanças com a figura jurídica da Incorporação de Ações. Nas duas situações haveremos de encontrar o aumento do capital social da investida (adquirente dos ativos) que redundará em emissão de novos títulos a serem entregues aos subscritores, como forma de pagamento pela aquisição dos ativos transmitidos. Todavia os efeitos econômicos das figuras semelhantes não devem levar o intérprete do Direito Tributário a tratar as duas operações com igualdade, principalmente quando em um dos pólos do negócio estiver uma pessoa física.

Quando uma pessoa física entrega bens e direitos de sua titularidade na integralização de aumento de capital social subscrito efetivamente ocorre uma alienação em sentido amplo. Entretanto cuida-se de uma “alienação sui generis” porque a pessoa física troca a titularidade de primeiro grau pela titularidade de segundo grau, ou seja, passa a ser detentora de valores representativos do capital social que fora integralizado com os bens ou direitos já possuídos.

Ocorre que durante muito tempo as autoridades fazendárias entendiam que tal operação deveria acontecer a valor de mercado, ou seja, as autoridades arbitravam o preço da operação com base em mercado e apuravam ganho de capital. Levado o tema ao Poder Judiciário veio a se firmar a categorização da operação como “alienação sui generis” porque não se vislumbrava efetiva geração de riqueza nova.

Diante deste cenário, o legislador ordinário, sabiamente, introduziu a norma constante do art. 23 da Lei nº 9.249/95 visando dar fim a esta velha polêmica e estatuiu:

Art. 23º As pessoas físicas poderão transferir a pessoas jurídicas, a título de integralização de capital, bens e direitos pelo valor constante da respectiva declaração de bens ou pelo valor de mercado.
§ 1º Se a entrega for feita pelo valor constante da declaração de bens, as pessoas físicas deverão lançar nesta declaração as ações ou quotas subscritas pelo mesmo valor dos bens ou direitos transferidos, não se aplicando o disposto no art. 60 do Decreto-lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977, e no art. 20, II, do Decreto-lei nº 2.065, de 26 de outubro de 1983.
§ 2º Se a transferência não se fizer pelo valor constante da declaração de bens, a diferença a maior será tributável como ganho de capital.

Pelo “caput” do artigo verifica-se que a Lei autoriza a transmissão por valores históricos sem que esta operação, se benéfica ao subscritor, seja considerada Distribuição Disfarçada de Lucros; o § 1º, por sua vez, já impõe uma obrigação, qual seja, a de registrar, na declaração de bens, o valor das ações recebidas (ou quotas) pelo mesmo valor dos bens e direitos transferidos (substituição); já o § 2º descreve a materialidade da ocorrência do ganho de capital das pessoas físicas quando estas, voluntariamente, transmitir seus bens e direitos pelo valor de mercado.

Infere-se, portanto, que tal norma legal tem por pressuposto uma relação jurídica entre uma pessoa física e uma pessoa jurídica a ela vinculada, seja pelo fato da norma expressar uma faculdade legal, seja pelo fato de a norma rechaçar a figura da Distribuição Disfarçada de Lucros com o objetivo de evitar antinomia de regras. Pois bem, não há então como confundir esta disciplina tributária com a da Incorporação de Ações. Nesta última, a relação jurídica se estabelece sempre entre duas pessoas jurídicas e, o negócio só se concretiza após a produção de um ato jurídico complexivo que se inicia por uma avaliação dos ativos a serem incorporados, segundo os critérios de Lei, e finda pela aprovação do aumento do capital social. Em outras palavras: na Incorporação de Ações o Laudo de Avaliação das Ações, a serem incorporadas, pode indicar valor maior ou menor do que o valor aprovado como aumento de capital social, o que não pode ocorrer na pura e simples subscrição de capital social em bens e direitos.

De outro lado, o § 2º do art. 23 da Lei nº 9.249/95 é de natureza declaratória, ou seja, ele não cria nova incidência, afirmando somente que tal ocorrência se amolda ao conceito de Ganho de Capital das Pessoas Físicas nos termos da legislação aplicável.

Julgado no conselho administrativo de recursos fiscais – CARF

Recentemente, a imprensa especializada (Valor Econômico de 30 de Setembro de 2.010) trouxe a seguinte manchete: “Valorização obtida com incorporação de ações é tributada”. No foco da matéria jornalística está o Acórdão da Câmara Superior de Recursos Fiscais que se transcreve em parte:

MINISTÉRIO DA FAZENDA/ CONSELHO ADMINISTRATIVO DE RECURSOS FISCAIS/ CÂMARA SUPERIOR DE RECURSOS FISCAIS
Processo nº 16408.000120/2007-49 / Recurso nº 159.368 Especial do Procurador/ Acórdão nº 9202-00.662 – 2 Turma /Sessão de 12 de abril de 2010 /Matéria IRPF/ Recorrente FAZENDA NACIONAL/ Interessado: omitimos
ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA FÍSICA – IRPF Exercício: 2005 / IRPF – OPERAÇÃO DE INCORPORAÇÃO DE AÇÕES – GANHO DE CAPITAL.
As operações que importem alienação a qualquer titulo, de bens e direitos, estão sujeitos a apuração do ganho de capital. A incorporação de ações constitui uma forma de alienação em sentido amplo. O sujeito passivo transferiu ações, por incorporação de ações, para outra empresa, a título de subscrição e integralização das ações que compõem seu capital, pelo valor de mercado. A diferença a maior (entre o valor de mercado e o valor constante na declaração de bens) deve ser tributada como ganho de capital. Recurso especial provido.
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos. Acordam os membros do colegiado, pelo voto de qualidade, em dar provimento ao recurso. Vencidos os conselheiros Gonçalo Bonet Allage, Manoel Coelho Arruda Junior, Moises Goiacomelli Nunes da Silva , Francisco Assis de Oliveira Junior e Rycardo Henrique Magalhães de Oliveira que negavam provimento.

Diga-se, de passagem, que esta decisão colegiada somente aconteceu porque foi tomado conhecimento de Recurso Especial interposto pelo Procurador da Fazenda Nacional, contra decisão não unânime, proferida pela 6ª Turma, no Acórdão nº 106-17104 (Acórdão Recorrido) sob a alegação de que teria havido afronta à lei tributária. O Acórdão reformado estava assim ementado:

Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Física – IRPF Ano-calendário: 2004 IRPF – OPERAÇÃO DE INCORPORAÇÃO DE AÇÕES – INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO DE GANHO DE CAPITAL.
A figura da incorporação de ações, prevista no artigo 252 da Lei nº 6.404/76, difere da incorporação de sociedades e da subscrição de capital em bens. Com a incorporação de ações, ocorre a transmissão da totalidade das ações (e não do patrimônio) e a incorporada passa a ser subsidiária integral da incorporadora, sem ser extinta, ou seja, permanecendo com direitos e obrigações. Neste caso, se dá a substituição no patrimônio do sócio, por idêntico valor, das ações da empresa incorporada pelas ações da empresa incorporadora, sem sua participação, pois quem delibera são as pessoas jurídicas envolvidas na operação. Os sócios, pessoas físicas, independentemente de terem ou não aprovado a operação na assembléia de acionistas que a aprovou, devem, apenas, promover tal alteração em suas declarações de ajuste anual. Ademais, nos termos do artigo 38, Parágrafo Único, do RIR/99, a tributação do imposto sobre a renda para as pessoas físicas está sujeita ao regime de caixa, sendo que, no caso, a contribuinte não recebeu nenhum numerário em razão da operação autuada.

Queremos crer que o leitor deva tomar conhecimento de ocorrência nuclear, na apreensão da situação fática, para saber do acerto da decisão reformadora. Para tanto se extrai trecho do voto do Relator que de perto nos interessa.

c) Aprovação do Laudo de Avaliação para Efeitos de Incorporação de Ações da companhia (…), nos termos do art. 252 da Lei nº 6.404/76, elaborado pela empresa (…), que avaliou o acervo líquido da, a preço de mercado, empresa (INCORPORADA), em R$ 45.000.000,00.
d) Aprovação do Laudo de Avaliação para Efeitos de Incorporação de Ações da Companhia (…), nos termos do art. 252 da Lei nº 6.404/76, elaborado pela empresa especializada (…), que avaliou o acervo líquido Companhia (INCORPORADORA) com base em valores contábeis e que representam o valor de mercado em R$ 3.000,00.
e) Aprovação do aumento do capital social da companhia (INCORPORADORA) em R$ 45.000.000,00 (quarenta e cinco milhões de reais, em função da incorporação das ações da companhia ( INCORPORADA), mediante emissão de 45 milhões de novas ações, no valor nominal de R$ 1,00 (um real) cada uma, totalmente subscritas pelos acionistas da (incorporada), da seguinte forma: (…); Substituímos nos nomes verdadeiros.

É perceptível que no caso julgado houve absoluta equivalência entre o valor do aumento do capital social da Incorporadora e o valor dos ativos incorporados. Neste caso concreto não há dúvida que o preço da alienação a ser considerado, para efeitos de apuração de ganho de capital das pessoas físicas envolvidas, é o valor do aumento do capital social da Incorporadora nos termos do art. 19 da Lei nº 7.713/88 como já discorrido anteriormente. Daí surge o acerto da decisão da Câmara Superior.

A exigência tributária tem assim amparo legal nos §§ 2º e 3º art. 3º da Lei nº 7.713/88 e não no art. 23 da Lei nº 9.249/95 que é inaplicável aos fatos jurídicos efetivamente ocorridos. Por isso julgamos imprecisa a redação da Ementa do Acórdão reformador eis que ela estaria igualando situações de assemelhados efeitos econômicos, mas, diferentes em termos do direito aplicável.

Conclusão

O instituto legal privado da Incorporação de Ações não se confunde com a mera integralização de aumento de capital social subscrito mediante conferência de bens e direitos. Na Incorporação de Ações observar-se-ão os requisitos de ordem formal e procedimental previstos na Lei nº 6.404/76, com observância especial do que disposto no § 1º do art. 170 que estabelece os critérios legais de avaliação das ações a serem incorporadas, nos quais não está contemplado o critério do valor histórico. Além do mais na Incorporação de Ações está prevista a possibilidade jurídica de aquisição dos ativos acontecer com o pagamento de ágio ou com a exigência de deságio em relação aos preços de mercado, o que não acontece com a simples integralização de capital social em bens e direitos. Portanto, na Incorporação de Ações nem sempre haverá ganho de capital a ser tributado na pessoa jurídica ou física que transfere a titularidade de suas ações. Tudo dependerá do preço da operação que é auferido pelo valor da transmissão materializado no valor do aumento do capital social da incorporadora.

- Publicado pela FISCOSoft em 20/10/2010

RENZO & SEWAYBRICK ASSESSORIA E CONSULTORIA TRIBUTÁRIA LTDA

Dr. Jeferson Roberto Nonato

 

 

 

 

Vendas a descoberto. Empréstimos de ações. Tributação da renda fixa e da renda variável.

Introdução

O investidor em renda variável, pessoa física ou jurídica, pode vender um ativo sem dispor da titularidade jurídica de propriedade deste ativo. Em outras palavras, o investidor vende o que não tem em sua carteira, com a intenção de fazer dinheiro de imediato, ou, estruturar alguma operação de seu interesse. Em se tratando de ações cabe, então, a seguinte indagação: Tendo-se por premissa básica que existe um número certo e definido de ações em circulação, como é possível alguém vender o que não tem? A resposta a esta questão aritmética é posta pelo mundo jurídico dos negócios contratuais que possibilita o ingresso na posse dos ativos vendidos a descoberto pelo instituto legal do Empréstimo de Ações.

O Empréstimo de Ações permite a estruturação de várias operações que são abertas por venda a descoberto. Pode-se fazer uma operação “day trade”, abrindo a posição pela venda a descoberto com o compromisso de recompra do mesmo ativo, no mesmo dia; pode-se fazer uma operação “long-short” abrindo a posição pela venda a descoberto de um ativo “x” com o propósito de compra do ativo “Y” que se espera apresentar maior rentabilidade que o ativo “x”; pode-se simplesmente tomar ações emprestadas para vendê-las no mercado a vista e com o produto da venda liquidar uma outra operação precedente tal qual uma operação a termo.

O Empréstimo de Ações também pode viabilizar operações nos mercados de liquidação futura, como tomar ações por empréstimo para garantir o lançamento a descoberto de opções de compra (“Calls”).

Empréstimo de ações: Conceito

O negócio de Empréstimo de Ações amolda-se ao disposto em nosso Código Civil (Lei nº 10.406 de 2.002) que classifica os empréstimos em comodato e mútuo, sendo este último próprio para coisas fungíveis, nos seguintes termos:

Art. 586. O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade.
Art. 587. Este empréstimo transfere o domínio da coisa emprestada ao mutuário, por cuja conta correm todos os riscos dela desde a tradição.

(…)
Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual.
Art. 592. Não se tendo convencionado expressamente, o prazo do mútuo será:
III – do espaço de tempo que declarar o mutuante, se for de qualquer outra coisa fungível.

Advirta-se que a definição jurídica de Empréstimo não se confunde com a definição jurídica de Locação (Lei nº 10.406 de 2.002 art. 565); remunera-se o empréstimo econômico com juros, enquanto, na locação a remuneração é o aluguel. Tal distinção assume particular importância para fins tributários, eis que, os juros se submetem à disciplina tributária das operações financeiras de renda fixa e o aluguel às disciplinas de tributação das pessoas físicas ou das pessoas jurídicas, conforme o caso.

Operadores dos mercados, financeiro e de capitais, costumam se valer da expressão “Aluguel de Ações” para indicar a seus clientes que eles poderão auferir certa remuneração, cedendo o uso de seus ativos, por tempo determinado. Em verdade cuida-se de uma gíria profissional (jargão), pois, não há a possibilidade jurídica de se alugar ações como coisas fungíveis que são.

O Empréstimo de Ações é um contrato tripartite em que, no pólo ativo, figura o Emprestador (também chamado no mercado de Doador), como Contraparte Central, figura a CBLC – Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia – e no pólo passivo figura o Tomador.

A particularidade desta modalidade de contrato é que o Emprestador não tem nenhum vinculo jurídico com o Tomador. Tanto o Emprestador como o Tomador resolverão juridicamente seus negócios contra a CBLC. Por sua vez, a CBLC dispõe de um serviço especial de empréstimos de ativos onde as ofertas dos Emprestadores e Tomadores só se concretizam mediante a prestação de garantia (100%) e de margens (parcelas destinadas a cobrir riscos inerentes às variações de mercado) estabelecidas para cada ativo elegível (ativo que pode ser objeto de empréstimo).

A remuneração do Emprestador é definida em termos de taxa de juros capitalizados por período anual. Hoje a remuneração média do mercado de aluguel de ações está por volta de 0,5% ao ano (meio por cento ao ano), sendo que a CBLC pode aceitar os contratos conhecidos como diferenciados onde o Emprestador e o Tomador ajustam condições especiais antes do registro.

Durante a vigência do mútuo, todos os eventos que afetam os ativos emprestados são controlados pela CBLC. Assim se a companhia emissora das ações emprestadas pagar dividendos, a CBLC entregará estes valores à Corretora que intermediou o negócio para que esta entregue ao seu cliente Emprestador. Mais detalhes operacionais o leitor poderá encontrar no capítulo VI do Manual de Procedimentos Operacionais da CBLC, sitio www.cblc.com.br.

Tributação do emprestador

Em maio de 2.007, a Receita Federal do Brasil – RFB – expediu a Instrução Normativa nº 742 visando estabelecer a tributação e a forma de apuração dos valores imponíveis nos empréstimos de ações.

Segundo consta do artigo 1º deste ato normativo, a remuneração do emprestador se qualifica como renda fixa e como tal deve ser tributada na fonte, cabendo tal responsabilidade tributária à CBLC que assume o papel de fonte pagadora.

A norma constante do artigo 2º desta IN se destina à fonte pagadora, declarando, ainda, que os proventos atribuídos às ações (dividendos e JCP), no decurso do contrato do empréstimo, não devem ser considerados rendimentos do emprestador e sim reembolso parcial do capital emprestado. Assim se esta parcela não é considerada rendimento deve ela ser expurgada da base de cálculo do imposto de fonte.

Caberá a fonte pagadora determinar o valor deste expurgo eis que podem ocorrer duas situações distintas. A primeira situação se manifesta quando o Emprestador, em razão de imunidade ou isenção, não está sujeito a tributação de fonte incidente sobre os JCP. Nesta situação o expurgo será feito pelo valor integral dos proventos atribuídos aos ativos. A segunda situação se manifesta quando o Emprestador está sujeito à incidência de fonte que ocorre quando do pagamento dos JCP. Para estes casos o expurgo será feito pela soma da parcela dos dividendos, mais a parcela dos JCP reduzida do valor que seria devido pelo Emprestador, a titulo de IRFON, caso recebesse esta verba diretamente.

Este ajuste se perpetra na determinação do capital líquido emprestado cuja figura se admite apenas no campo tributário. Portanto, se algum investidor quiser conferir o procedimento de determinação do valor do imposto retido pela fonte pagadora deve ficar atento a este expurgo.

Cabe advertir, também, que o Emprestador não deve fazer nenhuma alteração no controle dos ativos em carteira, ainda que parte ou a totalidade dos ativos esteja sendo empregada em contratos de empréstimos. Os empréstimos não são considerados vendas de ativos assim como as devoluções de empréstimos não são consideradas compras de ativos para fins de avaliação a preço médio de aquisição da carteira de ações.

O “caput” do art. 4º da IN RFB nº 742 de 2.007, de forma absolutamente incontroversa, declara que a devolução dos ativos da mesma espécie dos que foram emprestados não constitui fato gerador do imposto de renda sobre ganhos líquidos (fato imponível da renda variável) para o emprestador. Em outras palavras, quando o emprestador recebe do tomador os mesmos ativos emprestados para a finalização do negócio, não há nem ganho e nem perda para o emprestador. Porém, caso o contrato de empréstimo seja liquidado por meio de entrega de numerário, o emprestador deverá apurar o ganho líquido auferido na alienação dos ativos emprestados, computando, como “ganho líquido auferido”, a diferença positiva entre o valor recebido em dinheiro e o custo médio dos ativos alienados (Parágrafo único do art. 4º da IN RFB 742 de 2.007). Esta tributação, como renda variável, em nada se confunde com a tributação da renda fixa imposta sobre a remuneração do empréstimo; acontecem as duas incidências sobre materialidades diferentes.

Liquidado o empréstimo em dinheiro, o emprestador deverá sensibilizar o controle de estoque de suas ações, fazendo a baixa das ações alienadas, na data do recebimento do produto da alienação e não na data do empréstimo.

Tributação do tomador

Efetuada a “venda a descoberto” o tomador deverá providenciar o registro do feito em controle construído especialmente para esta finalidade, anotando as seguintes informações:

POSIÇÃO VENDIDA
CONTA DATA ATIVO QUANTIDADE PREÇO MÉDIO VALOR
Depósito 13/09/2010 Petr4 10.000 28,20 R$ 282.000,00

 

Conta creditada na Corretora: Conta depósito ou conta investimento

Data: Data da abertura da posição

Ativo Objeto: Ativo que foi tomado por empréstimo

Quantidade: A quantidade vendida a descoberto

Preço Médio: Preço médio das execuções da ordem de venda

Valor de Abertura: Valor correspondente à venda dos ativos emprestados.

Estes ativos não podem e não devem ser acrescidos à carteira do investidor no caso em que este investidor tenha titularidade de propriedade dos mesmos ativos alugados. Todavia outros ativos adquiridos com o produto da “venda a descoberto”, serão ordinariamente inseridos na carteira do investidor como se ele os tivesse adquirido com recursos próprios.

De outro lado, quando forem comprados ativos da mesma espécie daqueles tomados por empréstimo, visando o encerramento do negócio, o investidor deverá proceder ao registro do encerramento da Posição Vendida, anotando no controle especial as seguintes informações:

POSIÇÃO COMPRADA
DATA QUANTIDADE PREÇO MÉDIO VALOR
04/10/2010 10.000 27.50 R$ 275.000,00

 

Data da Compra: A data em que se efetivou a compra dos ativos a serem devolvidos;

Quantidade: A quantidade de ativos comprados

Preço Médio: O preço médio das execuções da ordem de compra;

Valor da Posição Comprada: O valor total da compra dos ativos emprestados.

Constitui-se ganho líquido em renda variável a diferença positiva entre o valor da posição de abertura da venda a descoberto e a posição de encerramento da venda a descoberto. Em se tratando abertura de posição e encerramento no mesmo dia, a operação será considerada “Day trade” sujeita a incidência da alíquota especial de 20% sobre o ganho líquido.

Com os dados exemplos apresentados, o investidor deve, ainda, finalizar a apuração do ganho líquido com os seguintes procedimentos:

Valor da Posição de Abertura (+) 282.000,00
Valor da Posição de Encerramento (-) 275.000,00
Ganho Bruto na Operação (ou Perda) 7.000,00
Corretagens 2.785,00
Emolumentos 300,00
Juros do Empréstimo (*) 1.410,00
Ganho Líquido Tributável 2.505,00

 

(*) Meio por cento do valor médio dos ativos na data do empréstimo.

Nos casos em que os ativos tomados por empréstimos, são alienados, como acima demonstrado, aplica-se o disposto no art. 3º da IN RFB. Este dispositivo cuida única e exclusivamente dos casos de alienação dos ativos tomados por empréstimo. Tal restrição do campo de incidência tem lugar porque o tomador pode simplesmente utilizar os ativos emprestados para cobertura de outras operações praticadas.

Por fim há de se assentar que os gastos efetuados com os juros do empréstimo de ações têm tratamentos diferenciados; em se tratando de pessoa jurídica os juros pagos serão considerados despesas operacionais estando assegurada a dedutibilidade total do valor pago. No caso das pessoas físicas o valor a ser considerado como custo da operação fica limitado ao valor do ganho bruto auferido porque não se pode por via indireta transformar a natureza jurídica dos juros excedentes em perda auferida em renda variável. Lembramos que para as pessoas físicas há uma permissão de redução do valor do ganho, até o valor deste, pelos valores dos gastos incorridos.

- Publicado pela FISCOSoft em 20/09/2010

 

RENZO & SEWAYBRICK ASSESSORIA E CONSULTORIA TRIBUTÁRIA LTDA

Dr. Jeferson Roberto Nonato

 

 

A figura da incorporação de ações em cenário de planejamento tributário

Introdução

Por diversas razões, inclusive a de ordem tributária, cresce a procura, de pessoas físicas e jurídicas, por profissionais ou instituições que possam assessorá-los na formatação de planejamento tributário. São muitas as variáveis que influem na construção deste tipo de planejamento, e, cada caso concreto deverá ser analisado em seus pormenores, não se descartando, inclusive, questões sucessórias. Para se levar a cabo certo planejamento costuma-se ordená-lo em fases (“tranches”), sendo, cada uma das fases, exteriorizada por um instrumento jurídico adequado ao fim desejado. Entre estes instrumentos jurídicos, um dos mais utilizados é o da “Incorporação de Ações”.

Incorporações de ações

Diz-se que ocorre a Incorporação de Ações quando uma pessoa jurídica (ou mesmo pessoas físicas) subscreve capital social de outra pessoa jurídica (existente ou em processo de criação) com o compromisso, firmemente declarado, de integralizar o valor subscrito mediante conferência de participações societárias (não necessariamente ações) emitidas por terceiros, mas de sua titularidade à data da subscrição do aumento capital social ou mesmo de sua constituição.

Decidido o emprego deste instituto legal, surge a questão nuclear da definição do preço do negócio. Estabelecido o preço da operação dele serão extraídas as consequências tributárias tanto para a pessoa jurídica emissora dos novos títulos de capital social (Instrumentos Patrimoniais) como para os subscritores destas novas participações societárias. Para a sociedade empresarial emissora será definido o custo de aquisição dos investimentos a serem alocados em seu ativo patrimonial e para os subscritores o preço de alienação dos ativos conferidos na subscrição.

Passemos, então, a demonstrar a importância da definição do preço da operação a partir de um exemplo hipotético:

1. Três pessoas físicas de uma mesma unidade familiar são detentoras de 100% das cotas de uma Ltda. com a seguinte distribuição do capital social registrado:

 

PESSOAS FÍSICAS Nº DE COTAS VALOR UNITÁRIO CAPITAL SOCIAL DETIDO PERCENTAGEM INDIVIDUAL
A 600.000 R$ 1,00 R$ 600.000,00 60%
B 100.000 IDEM R$ 100.000,00 10%
C 300.000 IDEM R$ 300.000,00 30%
TOTAL 1.000.000 R$ 1.000.000,00 100%

 

2. Os cotistas decidem então pela constituição de uma sociedade anônima administradora de bens e valores (holding) conferindo a totalidade de suas cotas para a formação do capital social da nova empresa.

3. Visando evitar a incidência de imposto sobre ganhos de capital das pessoas físicas, com amparo no art. 23 da Lei nº 9.249/95 (este artigo permite que pessoas físicas transfiram a pessoas jurídicas, em subscrição de capital, bens e direitos pelo valor constante de suas respectivas declaração de bens), os cotistas decidem que a conferência será feita pelo custo histórico de aquisição constante em suas declarações de bens.

4. Em seguida é feito o levantamento desses valores, a saber:

PESSOAS FÍSICAS Nº DE COTAS VALOR UNITÁRIO Custo Declarado
A 600.000 R$ 1,00 R$ 600.000,00
B 100.000 IDEM R$ 100.000,00
C 300.000 R$ 2,00 R$ 600.000,00
TOTAL 1.000.000 R$ 1.300.000,00

 

5. Diante deste quadro de valores decide-se tomar como parâmetro de valoração o menor valor de custo existente entre os cotistas, ou seja, R$ 1,00 por título transferido a nova “Holding”.

6. O novo capital social da “Holding” será constituído de apenas 10 ações sem valor nominal, sendo o capital social estipulado em R$ 1.000.000,00.

7. Para a sociedade anônima em formação temos então o seguinte quadro de acionistas:

PESSOAS FÍSICAS Nº DE AÇÕES VALOR UNITÁRIO CAPITAL SOCIAL DETIDO PERCENTAGEM INDIVIDUAL
A 6 ——- R$ 600.000,00 60%
B 1 ——— R$ 100.000,00 10%
C 3 ——— R$ 300.000,00 30%
TOTAL 10 R$ 1.000.000,00 100%

 

8. Nota-se que o cotista “C”, pessoa física, deverá promover, em sua declaração de bens, a substituição das cotas da Ltda., antes declaradas por R$ 600.000,00, pelas ações da “Holding” no valor de R$ 300.000,00 apontado uma perda patrimonial de R$ 300.000,00. Isto ocorre porque a Assembléia de Acionistas aprovou o valor de incorporação das cotas de R$ 1,00 por cada título transferido.

9. Apesar de não haver fluxo financeiro nesta operação a “Holding” está adquirindo investimentos em outra sociedade pagando tal aquisição com a emissão de títulos de capital social. Portanto o valor do capital social emitido é o parâmetro certo para a definição do preço da operação.

10. Quanto à escrituração contábil, dos investimentos adquiridos, na “Holding”, em tese, teríamos o seguinte lançamento:

DÉBITO: INVESTIMENTOS RELEVANTES (NÃO CIRCULANTE)
CRÉDITO: CAPITAL SOCIAL
VALOR: R$ 1.000.000,00

11. Todavia este registro contábil não procede porque em se tratando de uma subsidiária integral (a “Holding” passa a deter 100% do capital social da limitada), deve-se aplicar o Método de Equivalência Patrimonial – MEP – desde a primeira avaliação do investimento. Portanto já sabemos que o valor contábil do investimento é de R$ 1.000.000,00, mas, é preciso se determinar o valor de patrimônio líquido do investimento bem como o ágio ou o deságio havido na operação.

12. Supondo-se que o valor do PL da Limitada fosse R$ 21.000.000,00, à data da constituição da sociedade anônima (a “holding”) teríamos então o seguinte registro contábil:

DÉBITO: INVESTIMENTOS RELEVANTES R$ 21.000.000,00
CRÉDITO: DESÁGIO R$ 20.000.000,00
CRÉDITO: CAPITAL SOCIAL R$ 1.000.000,00

13. A “Holding” irá processar à devida realização do deságio (transferência para lucros ou perdas como conta de resultado) em uma única parcela, ou ao longo de certo tempo, sem que esta transferência influa na base de cálculo do IRPJ ou mesmo da CSLL, porque a amortização de deságio tem sua neutralidade tributária assegurada §2º do art. 25 do DL nº 1.598/77.

Acabamos de ver que em situação normal de “incorporação de Ações” apura-se deságio na aquisição dos investimentos, sendo o capital social emitido o parâmetro maior para a definição do preço da operação e desencadeamento das consequências tributárias.

Vejamos agora outro ângulo da mesma questão. Utilizando os mesmos dados numéricos do caso exemplo, tomaremos por hipótese outra definição da Assembléia de Acionista quanto à determinação do custo de aquisição do investimento.

a. Repitamos o mesmo quadro societário da limitada:

PESSOAS FÍSICAS Nº DE COTAS VALOR UNITÁRIO CAPITAL SOCIAL DETIDO PERCENTAGEM INDIVIDUAL
A 600.000 R$ 1,00 R$ 600.000,00 60%
B 100.000 IDEM R$ 100.000,00 10%
C 300.000 IDEM R$ 300.000,00 30%
TOTAL 1.000.000 R$ 1.000.000,00 100%

 

b. Repitamos o mesmo quadro de acionistas da “Holding”:

PESSOAS FÍSICAS Nº DE AÇÕES VALOR UNITÁRIO CAPITAL SOCIAL DETIDO PERCENTAGEM INDIVIDUAL
A 6 ——- R$ 600.000,00 60%
B 1 ——— R$ 100.000,00 10%
C 3 ——— R$ 300.000,00 30%
TOTAL 10 R$ 1.000.000,00 100%

 

c. Agora os Acionistas da “Holding” decidem exigir um Prêmio de Subscrição dos cotistas da limitada de R$ 39.000.000,00 e aprovam a avaliação dos investimentos entregues em R$ 40.000.000,00, de tal forma que o registro contábil da operação na “Holding” seja o seguinte:

DÉBITO: INVESTIMENTO RELEVANTE (MEP) R$ 21.000.000,00
DÉBITO: ÁGIO NA AQUISIÇÃO R$ 19.000.000,00 (*)
VALOR CONTÁBIL DO INVESTIMENTO R$ 40.000.000,00

CRÉDITO: CAPITAL SOCIAL R$ 1.000.000,00
RESERVA DE CAPITAL/ PRÊMIO DE SUBSCRIÇÃO: R$ 39.000.000,00

(*) ÁGIO FUNDAMENTADO NA RENTABILIDADE FÚTURA DA SOCIEDADE INVESTIDA

d. Nota-se que a conta Reserva de Capital não representa efetiva contribuição à formação do capital social; ela foi inserida no Balanço Patrimonial apenas para equilibrar contabilmente a valoração espontânea levada a efeito pelos Acionistas da “Holding”.

e. Este fenômeno não ocorre por acaso e se caracteriza como fase antecedente, ou preparatória, para fruição dos benefícios fiscais constantes do inciso III do art. 7º da Lei nº 9.532/97 (inciso modificado em sua redação pela LEI Nº 9.718/98) em que se empresta dedutibilidade à amortização de ágio fundado em rentabilidade futura em casos de incorporação, fusão, ou cisão de empresas.

Surge então a indagação maior: Podemos dizer que o preço da operação, no segundo, exemplo foi de R$ 40.000.000,00, porque este foi o valor da avaliação aceito pelos Acionistas da “Holding”?

Queremos crer que não.

Não é a expressão numérica que define o efetivo preço de uma operação e sim a extinção de direitos e obrigações entre as partes. De outro lado os Acionistas da “Holding” aceitaram pagar ágio na aquisição dos investimentos, mas, em contrapartida, exigiram prêmio de subscrição em igual montante – valores que se anulam por compensação entre as partes. Nem mesmo o argumento de que a Lei permite que este tipo de negócio seja feito a preço de mercado socorre aqueles que defendem o preço da operação em R$ 40.000.000,00. Tal preço seria juridicamente válido caso a operação fosse liquida por Instrumentos Patrimoniais (emissão de capital) no mesmo montante de R$ 40.000.000,00.

Deve-se ainda frisar que as contas do grupo “Reservas de Capital” têm a mesma natureza jurídica do capital social integralizado, vale dizer, estas contas devem indicar substância patrimonial efetiva, não se prestando a registros de contrapartidas de avaliações contábeis. De outro lado, já se consolida toda uma doutrina jurídica-contábil em torno dos pagamentos baseados em ações. Na moderna definição de Instrumentos Financeiros está consagrada a classe dos Instrumentos Patrimoniais como sendo aqueles instrumentos de capital social utilizados para adquirir ativos financeiros ou mesmo pagar passivos financeiros de uma entidade. Assim não se pode conceber que a conta Prêmio Recebido em Subscrição de Ações seja fonte de emissão de Instrumentos Patrimoniais para comprar ativos ou pagar passivos. Por si só a movimentação desta conta já indica o ingresso de valores no Patrimônio como ganhos ou vantagens auferidas em decorrência do capital social – efeito patrimonial similar a lucro auferido.

Vê-se que há uma verdadeira falácia gráfica contábil no segundo exemplo. A parte e a contraparte superestimaram os signos da transação sem impacto patrimonial correspondente para os contratantes. Ninguém paga e ninguém recebe, porque os valores se compensam.

Por tudo exposto, devemos concluir que caso a investida venha a incorporar a investidora (Incorporação Reversa), o beneficio fiscal pretendido – dedutibilidade da amortização do ágio – poderá ser glosado pelo Fisco tendo em vista que não há prova da existência do ágio pago, não se prestando para tal mero registro contábil falacioso. Ágio pago significa efetiva modificação patrimonial das partes contratantes.

Incorporação de empresa

Finalizando devemos assentar que não se deve confundir o instituto legal da Incorporação de Ações com o outro denominado Incorporação de Empresa. São dispositivos legais da Lei das Sociedades Anônimas – Lei nº 6.404/76 – distintos a versar sobre as matérias, como segue:

Art. 227. A incorporação é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações.
§ 1º A assembléia-geral da companhia incorporadora, se aprovar o protocolo da operação, deverá autorizar o aumento de capital a ser subscrito e realizado pela incorporada mediante versão do seu patrimônio líquido, e nomear os peritos que o avaliarão.
Art. 252. A incorporação de todas as ações do capital social ao patrimônio de outra companhia brasileira, para convertê-la em subsidiária integral, será submetida à deliberação da assembléia-geral das duas companhias mediante protocolo e justificação, nos termos dos artigos 224 e 225.

- Publicado pela FISCOSoft em 26/08/2010
RENZO & SEWAYBRICK ASSESSORIA E CONSULTORIA TRIBUTÁRIA LTDA

Dr. Jeferson Roberto Nonato

 


Lei nova cria rito probatório especial para os negócios com paraísos fiscais

A Medida Provisória nº 472, publicada em dezembro de 2.009, em trâmite no Congresso Nacional foi convertida no Projeto de Lei de Conversão Nº1 de 2.010, o qual, vetado em parte pelo Presidente da República, se converteu na Lei nº 12.249 de 2.010. Assim não há absoluta igualdade do texto da Lei com o da MP.

A Lei foi publicada em 14 de junho de 2.010 produzindo efeitos a partir de 16 de dezembro de 2.009 em relação aos dispositivos para os quais não expressou vigência especifica (vide art. 139 da Lei nº 12.249). Entre estes artigos com vigência a partir de 16 de dezembro de 2.009 estão os artigos 25 a 27 que versam sobre negócios com Países de Tributação Favorecida ou sob Regimes Fiscais Privilegiados que passaremos a nos referir como sendo Paraísos Fiscais.

A razão da nova Lei

Desde há muito tempo, a fiscalização da Receita Federal do Brasil usa da prerrogativa legal de intimar os contribuintes a comprovarem a efetividade da operação, bem como sua liquidação financeira, nas formas admitidas em direito. O ato de intimar opera-se no intuito da busca da verdade material e da perfeita identificação do negócio privado a ser qualificado juridicamente. Em raríssimos casos ocorre a insurgência contra tal indagação, e, quando ela acontece, se dá sob a alegação de que aos fiscalizados resta somente à apresentação dos documentos de praxe, salvo nos casos em que a Lei, expressamente, impõe a repartição do ônus da prova.

Já houve casos concretos desta insurgência em que a fiscalização, diligenciando nos fornecedores de bens e serviços, logrou comprovar que aquelas entidades, que figuravam no pólo ativo dos negócios contratados, não tinham capacidade operacional, ou técnica, de realizar as operações informadas nos instrumentos particulares ou na escrituração contábil (casos de Notas Fiscais Inidôneas). Quando isto aconteceu anulou-se a força das pretensas provas em poder dos fiscalizados.

Até aí nenhuma novidade. A dificuldade maior enfrentada pela fiscalização ocorreria quando o fornecedor ou prestador do serviço estava sediado fora do território nacional. Restava, nestes casos, a busca de provas por meios diplomáticos e instrumentos jurídicos internacionais. Para entidades localizadas em Paraísos Fiscais, nem mesmo os instrumentos jurídicos internacionais revelar-se-iam eficazes em certos casos. Frente a estes obstáculos, as versões dos fatos construídas pelos fiscalizados sempre dificultaram, ou mesmo frustraram, a acusação e a demonstração da ilegalidade da conduta do agente econômico, por parte da fiscalização. Muitos Autos de Infração lavrados foram anulados porque os Auditores não conseguiram demonstrar inequivocamente a infração relatada.

Para mudar o rumo desta história foi editado, então, o art. 26 da Lei 12.249 com o seguinte teor:

Art. 26. Sem prejuízo das normas do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica – IRPJ, não são dedutíveis, na determinação do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, as importâncias pagas, creditadas, entregues, empregadas ou remetidas a qualquer título, direta ou indiretamente, a pessoas físicas ou jurídicas residentes ou constituídas no exterior e submetidas a um tratamento de país ou dependência com tributação favorecida ou sob regime fiscal privilegiado, na forma dos arts. 24 e 24-A da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, salvo se houver, cumulativamente:
I – a identificação do efetivo beneficiário da entidade no exterior, destinatário dessas importâncias;
II – a comprovação da capacidade operacional da pessoa física ou entidade no exterior de realizar a operação; e
III – a comprovação documental do pagamento do preço respectivo e do recebimento dos bens e direitos ou da utilização de serviço.
§ 1º Para efeito do disposto no inciso I do caput deste artigo, considerar-se-á como efetivo beneficiário a pessoa física ou jurídica não constituída com o único ou principal objetivo de economia tributária que auferir esses valores por sua própria conta e não como agente, administrador fiduciário ou mandatário por conta de terceiro.
§ 2º O disposto neste artigo não se aplica ao pagamento de juros sobre o capital próprio de que trata o art. 9º da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995.
§ 3º A comprovação do disposto no inciso II do caput deste artigo não se aplica no caso de operações:
I – que não tenham sido efetuadas com o único ou principal objetivo de economia tributária; e
II – cuja beneficiária das importâncias pagas, creditadas, entregues, empregadas ou remetidas a título de juros seja subsidiária integral, filial ou sucursal da pessoa jurídica remetente domiciliada no Brasil e tenha seus lucros tributados na forma do art. 74 da Medida Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001.

Rito especial de provar

O real conteúdo desta norma, como bem poderá perceber o leitor, é impor rito especial de provar e não disciplinar formação de base de cálculo de tributo. Quando o texto normativo se vale das expressões “Sem prejuízo das normas do Imposto sobre a Renda (…) não são dedutíveis (…) as importâncias pagas (…) , salvo se houver cumulativamente (…)” a real conseqüência da norma é o não reconhecimento dos efeitos tributários dos negócios privados, realizados com contrapartes sediadas em Paraísos Fiscais, se determinado rito probatório não for observado.

Até que se perpetre o reconhecimento destes efeitos, o legislador ordinário impôs deveres instrumentais aos interessados que serão observados mesmo antes de qualquer indagação fiscal, a saber:

a – Identificar a contraparte;
b – Provar da capacidade operacional da contraparte, e
c – Provar documentalmente a efetividade da operação.

Portanto fica certo, desde já, que o mero registro contábil, instruído por documentos de praxe, não é mais suficiente para a empresa brasileira ver reconhecido, tributariamente, os efeitos do negócio particular contratado com Paraísos Fiscais. As formas regulares de provar sucumbem frente à forma especial da nova disciplina. Sempre prevalecerá a forma especial.

Identificação da contraparte

Este ato de identificar somente será eficaz quando for dado conhecimento preciso do beneficiário da importância remetida. Assim, não basta apresentar o documento hábil à comprovação da operação de câmbio, por exemplo, que estampe os dados cadastrais da entidade indicada para acolher os recursos transferidos por meios bancários, quando a operação envolver moeda estrangeira. Será preciso mais que isto. O contribuinte deverá enfrentar uma norma de conteúdo negativo, ou seja, uma norma que retira ou rechaça valor probatório de documentos emitidos a favor de interpostas pessoas (seja agente, seja administrador-fiduciário, ou mesmo, mandatário de terceiros). Assim, caso aconteça esta situação concreta de remessa de recursos para interposta pessoa (fundos de investimentos, por exemplo) restará ao interessado lançar mão de prova complementar para alcançar o efeito jurídico da identificação do beneficiário. Agora é a lei e não o operador do direito a ditar impugnação de prova, como segue:

Art. 26.(….)
I – a identificação do efetivo beneficiário da entidade no exterior, destinatário dessas importâncias;
§ 1º Para efeito do disposto no inciso I do caput deste artigo, considerar-se-á como efetivo beneficiário a pessoa física ou jurídica (…) que auferir esses valores por sua própria conta e não como agente, administrador fiduciário ou mandatário por conta de terceiro.(suprimimos em parte)

Neste dever de identificação da contraparte, superado o primeiro requisito probatório, ainda existe um segundo a ser ultrapassado. A pessoa do beneficiário identificado não poderá estar figurando no mundo jurídico sem propósito negocial definido e efetivo. A lei, neste particular, tem caráter antielisivo quando expressamente estabelece que a pessoa física ou jurídica constituída com a finalidade precípua de se alcançar economia tributária não poderá ser considerada identificada.

Temos então outra novidade legal a integrar o procedimento inquisitório prévio e necessário de uma ação fiscal. Será nesta fase que o operador do direito deverá colher todas as evidências de que a contraparte contratual é desprovida de propósito negocial, expondo ainda o raciocínio mental que o levou a esta conclusão. È a aplicação concreta de novo conceito tributário frente ao cenário e circunstâncias dos atos e fatos jurídicos ocorridos.

A norma em causa não impõe a oitiva do fiscalizado durante o preparo da autuação. Todavia o manejo da regra positivada não está restrito à autoridade tributária. Em igualdade de condições os contribuintes também poderão manejar o mesmo conceito positivado para fazer as contraprovas e interpor os argumentos e esclarecimentos que julgar convenientes em casos tidos por suspeitos.

Colhidas evidências, provas e contra provas, caberá à autoridade julgadora competente afirmar ou infirmar o propósito negocial da pessoa física ou jurídica envolvida na relação contratual examinada. É autoridade julgadora que tem o poder de formar livremente sua convicção e a obrigação de declarar tal vício jurídico, eis que regra pressupõe um juízo de valor, vinculado ao novo conceito, como se depreende do texto normativo (§1º do art. 26 da Lei nº 12.249 de 2.010):

Art. 26. (….)
I – a identificação do efetivo beneficiário da entidade no exterior, destinatário dessas importâncias;
§ 1º Para efeito do disposto no inciso I do caput deste artigo, considerar-se-á como efetivo beneficiário a pessoa física ou jurídica não constituída com o único ou principal objetivo de economia tributária ((…))

Comprovação da capacidade operacional da contraparte

Como requisito probatório, a comprovação da capacidade operacional somente terá lugar quando estiver em curso a busca dos elementos que permitirão saber se o negócio teve como propósito relevante a economia tributária. Não se trata propriamente de uma regra autônoma, mas sim de um passo complementar necessário na identificação do beneficiário.

Também não se exigirá tal prova em caso de “tributação circular”, quando as importâncias pagas ou remetidas tiverem como beneficiária, devidamente identificada, pessoa jurídica vinculada à pessoa jurídica brasileira remetente que esteja obrigada à tributação dos lucros em bases universais. Em outras palavras, o lucro auferido no exterior, pela via da manutenção de empresas coligadas ou controladas, será também tributado no Brasil.

Comprovação documental

A lei exige que o contribuinte comprove documentalmente não só o preço pago – a liquidação financeira da operação – como também o efetivo recebimento dos bens ou direitos ou a utilização dos serviços consumidos.

Aparentemente não há maior pretensão no texto legal, mas é preciso se deduzir da ocorrência material a certeza de que houve efetiva transferência de riqueza da entidade sediada no País para a entidade identificada como beneficiária, sediada em Paraísos Fiscais. Expliquemos: têm-se conhecimento que certas operações com entidades sediadas em Paraísos Fiscais foram liquidadas financeiramente com “T-BILLS” (Títulos da Dívida Pública emitidos pelo Governo dos Estados Unidos da América, denominados Treasury Bills). A empresa nacional devedora entregou moeda corrente a outra pessoa jurídica brasileira com a finalidade declarada de adquirir “T-BILLS”, comprovando a operação por instrumento particular de cessão de créditos. Munida deste Instrumento Particular, de pronto, a devedora convenciona com entidade credora situada em Paraíso Fiscal, a liquidação financeira da operação, também, na forma de cessão de direitos sobre os “T-BILLS”. Neste caso é perfeitamente factível apurar-se a entrega de moeda corrente no País (um saque bancário, por exemplo); entretanto não se pode saber o que efetivamente ocorreu no exterior, com os títulos cedidos.

Tudo leva a crer que a nova disciplina probatória pretende imputar aos interessados o dever de produzir, no território nacional, as provas que seriam alcançadas, pelas autoridades tributárias, somente, em jurisdições estrangeiras. Neste sentido a liquidação financeira de uma operação, por instrumento particular de cessão de “T-BILLS”, não teria valor probatório, em princípio. Somente restaria provada a operação se o interessado demonstrasse que o beneficiário identificado ingressou na titularidade destes papéis. O mesmo raciocínio aplicar-se-ia em casos semelhantes quando são utilizados certificados de valores mobiliários que circulam em mercados financeiros de outros países.

Há de se ter em conta que o emprego da expressão “comprovação documental do pagamento do preço respectivo”, no texto da Lei, tem razão maior de ser. Não se cuida de mera referência a um dos elementos de ordem geral que comprovam a efetividade de uma operação; é fato comum a ocorrência do pagamento em qualquer compra de mercadoria ou de serviços. Também não se trata de dar ênfase na obrigação de comprovar o pagamento, pois obrigação legal não precisa ser posta com reforço de redação.

Há de se extrair da expressão sua real pretensão normativa, de forma harmônica e integrada com as demais exigências probatórias. Neste sentido tal “comprovação documental” não está vinculada às características extrínsecas do documento probatório e sim aos valores intrínsecos do documento apresentado, nos seguintes sentidos:

- Ser emitido por terceiro não vinculado à operação;
- Ser idôneo; e
- Ser hábil, quando previsto em lei

Por isso, acreditamos que documentos produzidos entre as partes interessadas não cumprem a exigência da Lei.

No que concerne à comprovação documental do recebimento de bens ou de direitos parece não haver maior dificuldade, eis que importação de bens e aquisição de direitos sempre deixam vestígios confiáveis da efetividade da operação (trânsito alfandegário, registros de direitos etc..).

O consumo ou utilização de serviços, por seu turno, já pode gerar controvérsias, principalmente quando os serviços forem de cunho intelectual – consultorias, assessorias, pesquisas e outros do gênero-.

Ter por comprava ou não comprovada a utilização de serviços, poderá exigir juízo de valor de quem estiver auditando os documentos probatórios. Para tanto todo o cenário econômico da operação será importante e não simplesmente o contrato de per si. Assim uma remessa a titulo de pagamento de comissão de intermediação de negócio, exigirá a comprovação do negócio intermediado e da própria intermediação. Por isso mesmo, será de grande valia a documentação da interlocução prévia com os beneficiários.

Conclusão

Para a conclusão de todo exposto, devemos trazer a lume, ainda, o que disposto no art. 27 da Lei nº 12.249 de 2.010 que vem assim redigido:

“Art. 27. A transferência do domicílio fiscal da pessoa física residente e domiciliada no Brasil para país ou dependência com tributação favorecida ou regime fiscal privilegiado, nos termos a que se referem, respectivamente, os arts. 24 e 24-A da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, somente terá seus efeitos reconhecidos a partir da data em que o contribuinte comprove:
I – ser residente de fato naquele país ou dependência; ou
II – sujeitar-se a imposto sobre a totalidade dos rendimentos do trabalho e do capital, bem como o efetivo pagamento desse imposto.
Parágrafo único. Consideram-se residentes de fato, para os fins do disposto no inciso I do caput deste artigo, as pessoas físicas que tenham efetivamente permanecido no país ou dependência por mais de 183 (cento e oitenta e três) dias, consecutivos ou não, no período de até 12 (doze) meses, ou que comprovem ali se localizarem a residência habitual de sua família e a maior parte de seu patrimônio.”

De forma clara a norma faz referência a reconhecimento de efeitos de um fato jurídico determinado, qual seja, a transferência de domicílio fiscal da pessoa física do Brasil para um Paraíso Fiscal. Em outras palavras, pode-se, de forma pedagógica, dizer que quem não atender os requisitos da Lei será tributado no País, mesmo que tenha declarado e formalizado a transferência de domicílio para outros fins de direito.

Sem dúvida a pretensão normativa é obstar a elisão fiscal, e, para tanto, o legislador faz surgir no mundo jurídico uma nova disposição conceitual que vem assentada no Parágrafo Único acima citado. O novo conceito de pessoa física residente de fato, como tal, somente poderá ser empregado a partir da publicação da Lei, para alcançar fatos pendentes e futuros (CTN art. 105).

Da mesma forma temos no §1º do art. 26 da mesma lei um novo conceito tributário de beneficiário efetivo, na seguinte dicção:

“§ 1º Para efeito do disposto no inciso I do caput deste artigo, considerar-se-á como efetivo beneficiário a pessoa física ou jurídica não constituída com o único ou principal objetivo de economia tributária que auferir esses valores por sua própria conta e não como agente, administrador fiduciário ou mandatário por conta de terceiro.”

Igualmente podemos dizer que este novo conceito só terá lugar se observadas as disposições do art. 105 do CTN, verbis:

Art. 105 – A legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores futuros e aos pendentes, assim entendidos aqueles cuja ocorrência tenha tido início mas não esteja completa nos termos do artigo 116.

As novas regras formam um arcabouço jurídico que impõe aos contribuintes um rito probatório especial para verem reconhecidos os efeitos de seus negócios privados quando contratados com pessoas físicas e jurídicas sediadas em Paraísos Fiscais. Não se cuida assim de se inovar quanto à interpretação de provas ou de se estabelecer novos fatos presuntivos (presunções legais). Cuida-se de nova obrigação de fazer nos limites do campo da Administração Tributária cuja introdução no ordenamento exigiu a formulação de conceitos específicos e novos.

Permitimo-nos concluir que não estamos frente a uma nova disciplina processual; estamos diante de uma norma de ordem especial, construída pela integração de artigos e parágrafos, que estabelece um rito especial de provar que irá se sobrepor a todas as outras formas de provar admitidas em Direito. Portanto a norma tem efeitos prospectivos e não pode ser aplicada retroativamente.

Concluímos ainda que a interpretação literal da norma não tem lugar podendo ser aplicada a outros tributos e contribuições administrados pela Receita Federal do Brasil, tendo em vista que certas despesas podem reduzir as bases de cálculo do PIS e da COFINS de instituições financeiras (§6º do art. 3º da Lei nº 9.718/98).

- Publicado pela FISCOSoft em 01/07/2010

 

RENZO & SEWAYBRICK ASSESSORIA E CONSULTORIA TRIBUTÁRIA LTDA

Dr. Jeferson Roberto Nonato

 

 

 

 

A relevância jurídica da confusão patrimonial e a responsabilidade tributária pessoal do infrator

Matéria sob reserva de Lei Complementar

1.Responsabilidade tributária é matéria a ser disciplinada por Lei Complementar, segundo consta de nossa Carta Magna no artigo 146, que se transcreve em parte:

Art. 146. Cabe à lei complementar:
III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;

2.Em razão desta restrição da Lei Maior, a melhor doutrina vem lecionando que as novidades trazidas pela Lei Ordinária nº 10.406 de janeiro de 2.002 – Novo Código Civil- não têm eficácia sobre o Direito Tributário quando o tema versado for responsabilidade tributária.

3.Em foco está o disposto no art. 50 do atual Código Civil que assim vem redigido:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

4.A introdução deste artigo em nosso Direito Civil encerra a acolhida da figura da desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) em modelo de concreção do direito, segundo o qual as obrigações são conhecidas depois da instauração do processo e não antes, como ensina Humberto Ávila (in Direito Tributário e o Novo Código Civil, Quartier Latin, São Paulo, 2004, pgs. 78/79). O ilustre professor ainda adverte, no mesmo texto, que este modelo de concretização a posteriori não se harmoniza com o nosso sistema constitucional tributário, todo ele fundado na previsibilidade- segurança jurídica, legalidade, anterioridade e irretroatividade, entre outros-. As obrigações tributárias, em nosso ordenamento, são tomadas com o mínimo de previsibilidade dos agentes econômicos.

5.A figura da desconsideração da personalidade jurídica, mesmo antes da promulgação do novo Código Civil, já se fazia presente no Código do Consumidor, e, também, em nossa jurisprudência. Agora, ela aparece em vários ramos de nosso direito- do consumidor, do trabalho e do meio ambiente- com a mesma razão de ser: o abuso do instituto jurídico da personalidade jurídica. De novo, mesmo, se tem que o art. 50 lançou os limites da definição do que seja abuso da personalidade jurídica indicando dois eventos que marcam a ocorrência concreta do que desenhado na autorização concedida exclusivamente ao Juiz: o desvio de finalidade da existência da pessoa jurídica e a confusão patrimonial.

6.Parece que o legislador ordinário, na ocasião da redação do texto, se preocupou em deixar segregada a expressão “confusão patrimonial” para evitar que o intérprete fosse levado a deduzir que os eventos descritos se materializam da mesma forma, isto porque, pode haver confusão patrimonial sem que se vislumbre o desvio de finalidade.

7.Quanto ao evento “confusão patrimonial”, temos que não há definição expressa em nosso ordenamento. A referência normativa se corporifica pelo método da interpretação por contrastefrente ao princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, consagrado em nossa Constituição ex vi do disposto no §2º do art. 156 (capitalização de pessoas jurídicas mediante conferencia de bens), entre outros. Assim qualquer ocorrência que implique, de forma direta ou indireta, na transgressão da absoluta segregação jurídica do patrimônio, ou de sua gestão, pode levar o Juiz a qualificar o ocorrido como confusão patrimonial.

8.Exemplifiquemos algumas ocorrências:

a)confusão patrimonial direta- certo posto de gasolina, como pessoa jurídica, adquire dois automóveis de luxo para serem usados pelos dois sócios cotistas que tentam justificar perante o Juiz que a aquisição dos bens se justificou pela necessidade de representação condigna perante os três únicos fornecedores (confusão patrimonial direita);

b)confusão patrimonial indireta- todos os gastos pessoais dos dois sócios cotistas do posto de gasolina são pagos pela pessoa jurídica enquanto que, com os recursos do “pró-labore” recebido, as pessoas físicas pagam prestações de imóveis adquiridos em seus próprios nomes.

Responsabilidade tributária pessoal prevista em Lei Complementar

9.Importa, no ponto, trazer à lume o disposto na Lei Complementar nº 5.172 de 1.966 (Código Tributário Nacional – CTN-), precisamente o que consta do art. 135, verbis:

Art. 135 – São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
I – as pessoas referidas no artigo anterior;
II – os mandatários, prepostos e empregados;
III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

10.Não se cuida neste dispositivo dos casos de responsabilidade por sucessão ou por substituição e muito menos do solidariedade passiva. Trata-se, isto sim, de situação rara na qual a pessoa jurídica passa ao largo da relação obrigacional que se instaura, sem que para isso a autoridade tributária se veja na contingência de superar a personalidade jurídica. O art. 135 do CTN “em nenhuma circunstância, tem o condão de permitir formas de desconsideração da personalidade jurídica” ( Heleno Torres, Direito Tributário e Direito Privado, Revista dos Tribunais, 2.003, pg. 471). A sujeição passiva decorrerá da aplicação da “solução legal, que já se apresenta axiologicamente correta; não é preciso desconsiderar a empresa para imputar obrigações aos sócios, pois, mesmo considerada a pessoa jurídica, a implicação ou responsabilidade do sócio já decorre do preceito legal” (Luciano Amaro, Desconsideração da Pessoa Jurídica no Código de Defesa do Consumidor, RDM, v.88, pg.73).

11.Humberto Ávila, na obra já citada, vai no mesmo sentido para assentar que só pelo aspecto formal as normas de responsabilidade civil não poderiam ser aplicadas na seara tributária, mas reconhece que o conteúdo do art. 135 do CTN ao fazer referencia à violação da lei ou ao contrato social incorpora por simetria os mesmos princípios albergados no art. 50 do Código Civil.

 

A relevância jurídica da confusão patrimonial

12.Sabemos que o Direito Tributário tem autonomia relativa para construir seus próprios conceitos, desde que respeitados os limites constitucionais expressos ou implícitos. De outro lado o mais comum é se ver o Direito Tributário fazendo uso dos conceitos já consagrados no Direito Privado. Muitas vezes é preciso navegar pelo Direito Privado para se conhecer o verdadeiro alcance de uma imposição tributária, tanto em seu aspecto material como temporal. Segue-se que quando a autoridade tributária qualifica certo encadeamento de atos particulares como “simulação”, por exemplo, se vale do conceito legal pré-estabelecido no direito privado, não para fundamentar a exigência tributária em si, mas para levantar o véu que estava a esconder o fato gerador da obrigação tributária. Em outras palavras a simulação é o critério jurídico meio para se afirmar a norma tributária concreta. Nada de estranho neste fenômeno frente à unicidade do direito.

13.Sempre houve dificuldade de ordem prática para se identificar, no mundo real das coisas, o que mencionado no art. 135 do CTN como sendo “atos praticados com excesso de poderes ou violação de lei, contrato social ou estatutos”. O legislador tributário lançou expressões fluídas e imprecisas que não encontravam precedentes conceituais nem mesmo no Direito Privado, como no caso exemplo da simulação, já citado. Agora o Direito Civil atribui relevância jurídica à situação de confusão patrimonial para indicar a ocorrência de abuso do instituto jurídico da pessoa jurídica, não tolerado, diga-se de passagem, também, pelo Direito Tributário. Neste a intolerância vem consagrada em semântica diversa, é verdade, mas com o mesmo desiderato e sob valores simétricos. Portanto a confusão patrimonial se amolda ao que disposto no art. 135 do CTN.

14.Eduardo Domingos Bottallo, neste sentido, chega a afirmar que o art. 135 do CTN somente poderá ser acionado, pelo Fisco, quando ficar demonstrado que a obrigação tributária a cargo da sociedade decorreu de alguma das causas apontadas na Lei Civil (art. 50), reforçando sua dedução no brocado romano “ubi eadem ratio, ibi eadem juris dispositio”, ou seja, onde impera a mesma razão, deve prevalecer a mesma decisão- in Direito Tributário e o Novo Código Civil, Quartier Latin, São Paulo, 2004, pg.193-.

15.A lei civil (art. 50) encerra, em si, uma autorização para que o Juiz possa desconsiderar a personalidade jurídica. Por isso o Juiz decidirá, frente às circunstâncias, se usará ou não a faculdade legal; o mesmo não ocorre com o art. 135 do CTN. Caracterizada a confusão patrimonial, a autoridade fiscal elegerá de oficio (estrita legalidade em matéria de sujeição passiva) a pessoa física do infrator como sujeito passivo da obrigação tributária especifica surgida em decorrência da confusão patrimonial. Em outras palavras aquele que se beneficiou da confusão patrimonial responderá pessoalmente pela obrigação, figurando no pólo passivo da relação processual, se for o caso. De passagem, anota-se que de forma alguma está se aventando a figura do redirecionamento da cobrança tributária. Aqui, a pessoa física não é um terceiro vinculado ao fato gerador, mas o próprio contribuinte nos exatos termos que constam do inciso I do art. 121 do CTN (conceito de contribuinte) porque sua relação é pessoal e direta com a situação geradora do crédito tributário.

16.Sob o título “O STJ e a responsabilidade tributária do sócio”, em artigo publicado no Portal Consultor Jurídico, em 26 de Março de 2.010, a tributarista Bianca Delgado Pinheiro anotou:

“Ocorre que, recentemente, o STJ firmou o entendimento de que o ônus da prova na comprovação da responsabilidade de sócio cujo nome não consta da CDA é do exequente/Fazenda. Mas, de outra feita, surpreendentemente, cabe ao executado/sócio a prova de sua ilegitimidade passiva, quanto seu nome constar da Certidão de Dívida Ativa (CDA), em face da presunção de liquidez, certeza e exigibilidade deste título. Tal entendimento deverá ser aplicado a todos os processos em andamento em que se discute o mesmo tema. Com fundamento absolutamente simplista, o STJ acabou por impedir, em muitos casos, a defesa do sócio, sem prévia garantia do crédito tributário. Ou seja, ainda que seja evidentemente ilegítimo para figurar o pólo passivo da execução fiscal, dada a inexistência de causa para a sua responsabilidade tributária, terá o sócio que oferecer bens ou dinheiro suficiente à garantia da dívida fiscal, para possibilitar a sua defesa em Embargos do Devedor, e, assim, tentar se ver livre de execução instaurada contra o mesmo de forma absolutamente irregular e ilegal. Além do mais, terá que produzir prova de cunho negativo, ou seja, prova de que não agiu com fraude ou dolo, inexistindo sequer qualquer procedimento da Fazenda para tal constatação. A Procuradora da Fazenda Nacional, confortável com tal posicionamento do STJ, editou a Portaria 180, publicada em 25 de fevereiro de 2010, com orientações aos procuradores fazendários quanto aos procedimentos a serem seguidos por estes para a responsabilização dos sócios da empresa com dívida fiscal. Ainda que conste no artigo 2º da dita portaria interna que a inclusão do responsável solidário na Certidão de Dívida Ativa da União somente ocorrerá quando da ocorrência de excesso de poderes, infração à lei, infração ao contrato social ou estatuto ou dissolução irregular da pessoa jurídica, foi admitida tal constatação por mera declaração fundamentada da autoridade competente da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) ou da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Ora, a inclusão do sócio na CDA, para fins de responsabilidade tributária, somente poderá ocorrer após competente processo administrativo em que seja comprovada a existência de infração à lei, contrato ou estatuto social. Simples declaração da RFB ou da PGFN não é o bastante para tanto, configura-se, na realidade, absoluta arbitrariedade e amplo poder discricionário, não permitido nesse caso (grifamos).

17.Sem dúvida, não se pode mitigar a conclusão da citada articulista, pois sujeição passiva é matéria a ser discutida em sede própria, ou seja, no processo administrativo fiscal, quando às autoridades julgadoras poderão afirmar ou infirmar a relação processual instaurada, à luz do direito instrumental vigente, apreciando de forma ampla e irrestrita o inconformismo do acusado.

Conclusão

18.Embora não se possa afirmar que o art. 50 do Código Civil tenha ampliado o alcance do art. 135 do CTN, se pode dizer que a lei civil pôs em evidência a confusão patrimonial. Em outras palavras: o art. 50 declarou que a confusão patrimonial caracteriza abuso do instituto da personalidade jurídica. Assim a figura da pessoa jurídica será afastada, para fins tributários, pelas circunstâncias expostas no texto do art. 135 do CTN, quando no caso concreto ocorrer confusão patrimonial como arquitetada na Lei Civil.

19.Tanto para as pessoas jurídicas tributadas pelo Lucro Real, como para as pessoas jurídicas tributadas em regimes simplificados, fica vedada a confusão patrimonial. A confusão patrimonial pode se manifestar tanto pela apuração de que os bens de titularidade documental da pessoa física foram adquiridos com recursos da pessoa jurídica como, em sentido oposto, de que os bens de titularidade documental da pessoa jurídica foram adquiridos com recursos da pessoa física. Serão diferentes as conseqüências tributárias em cada situação. Atrai o art. 135 somente a primeira situação quando são desviados recursos da pessoa jurídica.

20.Outrossim, cabe advertir que não se deve aproximar a figura da confusão patrimonial, em sentido material, com os procedimentos formais de controle da segregação dos patrimônios das pessoas físicas dos sócios e da respectiva sociedade. Muitas vezes a conveniência ou a necessidade administrativa impõem que certa classe de bens e direitos sejam controlados em nome de um responsável pessoa física, como ocorre com a conta caixa, de várias empresas, cujos recursos são mantidos e controlados em depósitos bancários em nome de um, ou mais, dos sócios. Também não restará configurada a confusão patrimonial se uma pessoa jurídica saldar um débito de um de seus sócios, registrando o evento como lucro distribuído, antecipação de pro labore, ou mesmo como empréstimo concedido.

21.Estamos nos referindo a uma norma geral que versa sobre responsabilidade tributária, portanto sobre sujeição passiva. Esta norma geral será necessariamente integrada por uma disposição especifica de cada incidência – IRPJ, IRFON, CSLL- a qual irá desencadear o procedimento de apuração do quantum devido. Esta sujeição passiva somente terá lugar para o montante devido em razão direta da confusão patrimonial. Caso se apure outra infração, em um mesmo procedimento de fiscalização, permanecerá a sujeição passiva da própria pessoa jurídica.

22.Encerrando fica a advertência a todos empresários: provada a confusão patrimonial, o imposto devido, que dela surgir, poderá ser exigido da pessoa física vinculada àquela situação, que responderá com todos os seus bens.
- Publicado pela FISCOSoft em 22/06/2010

RENZO & SEWAYBRICK ASSESSORIA E CONSULTORIA TRIBUTÁRIA LTDA

Dr. Jeferson Roberto Nonato