Teorização da tributação dos ganhos obtidos em bolsas por pessoas físicas
Introdução
1. Todos os anos as pessoas físicas, por ocasião da entrega da declaração de imposto de renda, se vêem em dificuldades para o correto preenchimento do Anexo de Renda Variável tendo em vista a complexidade da legislação tributária e a crescente sofisticação das operações de mercado. Tentam se socorrer de publicações da própria Receita Federal do Brasil – Perguntas e Respostas, por exemplo-, mas percebem que estas não alcançam todas as dúvidas surgidas.
2. Há de se ter em conta que certas situações subjetivas dependem de uma interpretação técnica que envolve não só o conhecimento da metodologia empregada na elaboração da declaração de rendimentos da pessoa física, mas, também, razoável conhecimento do Direito Tributário. De outro lado as autoridades administrativas colhem as dúvidas recorrentes e tentam resolvê-las de forma sucinta, em publicações de massa, visto que interpretações formais só podem ser conseguidas pela via do instituto da consulta e processo administrativo desta índole.
3. Parece-nos que a falta de teorização da tributação dos ganhos líquidos, auferidos por pessoas físicas em Bolsas de Valores, tem dificultado a aplicação das regras postas, visto que estas são construídas a partir de conceitos e nomenclaturas de produtos do mercado financeiro e de capitais. Cite-se, por exemplo, a figura do DOADOR que tem significados diversos no Direito Civil e no Mercado de Capitais.
4. Este texto é um esforço desta teorização que julgamos necessária, ainda que posta sem todo o rigor científico exigido.
Aplicação da Legislação Tributária
5. Assenta o Código Tributário Nacional, em seus artigos 105 e 116, combinados, que a legislação tributária se aplica aos fatos geradores futuros e aos pendentes, sendo que os pendentes são aqueles que já tenham sido iniciados, mas, não tenham sido completados, nos termos do direito aplicável. Portanto o investidor em Bolsa deve saber que o primeiro ato de um negócio contratual atrairá a legislação de regência da tributação. Como todas as operações em Bolsa têm um ciclo de duração, data de abertura e data de encerramento, aplicar-se-á a legislação vigente na data de abertura do contrato. É o caso da isenção prevista em Lei para as alienações de ações, no mercado à vista, até o montante de R$20.000,00 por período mensal de apuração. Para tal aferição se deve levar em conta as datas de pregão e não as datas das liquidações financeiras da operação.
7. Neste mesmo sentido temos que caso ocorra uma mudança de alíquota no início de um ano calendário, deverá ser aplicada a alíquota vigente no ano calendário anterior, mesmo no caso de uma venda de ações no mercado a vista em dezembro de um ano para liquidação financeira em janeiro do ano seguinte.
Incidência
8. Podemos dizer que a incidência corresponde à descrição do fato gerador, posta em lei ordinária nos limites da permissão constitucional. A Constituição dá o indicativo de ordem geral e a Lei detalha os atos e fatos que ali se enquadram como reveladores da capacidade contributiva e a forma de apuração do que for devido. É o que consta do art. 114 do Código Tributário Nacional quando afirma que o fato gerador é a situação descrita em lei como necessária e suficiente ao surgimento da obrigação tributária de pagar o tributo devido.
9. Em 1.988 foi editada a Lei nº 7.713 que em seu artigo 40 estabelecia que os ganhos líquidos auferidos por pessoa física nas operações realizadas nas bolsas de valores, de mercadorias, de futuros e assemelhadas ficavam sujeitos à tributação. Em 1.989 – Lei nº 7.799, art. 55- foram incluídas, no campo de incidência, as pessoas jurídicas isentas e aquelas tributadas pelo lucro presumido ou lucro arbitrado, isto é, os ganhos líquidos auferidos por estes novos personagens também estavam sujeitos à tributação em conformidade com as regras de tributação em separado. Passam também a estar sujeitas ao regime de tributação em separado, a partir de 1.993, as pessoas jurídicas não financeiras tributadas pelo regime de apuração do lucro real em razão de alteração legal na descrição de incidência posta no art. 29 da Lei nº 8.541 de 1.992. Já em 1.995 houve nova alteração da descrição legal para alcançar qualquer beneficiário de ganhos líquidos auferidos em bolsas – Lei nº 8.981 de 1.995 art. 72-, exceção das entidades imunes ao imposto de renda.
10. O intérprete há de notar que em todas estas normas, atinentes ao campo de incidência, fora empregada a expressão “(..) ganhos líquidos nas operações realizadas nas bolsas de valores, de mercadorias, de futuros, (..).”. Esta expressão se presta a indicar o local físico ou virtual dos acontecimentos; quis o legislador se referir às operações acontecidas nestes locais. Não se cogita, portanto, de outro significado do vocábulo quando empregado com o sentido de transformar uma disponibilidade jurídica em disponibilidade financeira como acontece no caso de ganhos de capital- surgimento da obrigação de pagar na medida da realização dos ganhos auferidos-. Tanto é verdade que alienação de ações por parte das pessoas físicas fora de bolsas está sujeita à apuração do ganho ou perda de capital e não se considera operação de renda variável.
11. O leitor poderá conferir a descrição legal, vigente, de incidência no art. 45 da Instrução Normativa RFB nº 1.022 de 2.010.
Período de apuração e modalidade de lançamento
12. A tributação dos ganhos líquidos ocorre em período de apuração mensal e o contribuinte pessoa física tem o dever de apurar e pagar o imposto devido nos termos do que consta do art. 150 do Código Tributário Nacional que versa sobre a modalidade de lançamento por homologação.
13. È de responsabilidade do investidor a guarda de documentos que possam instruir todas as apurações por ele realizadas para chegar ao valor devido. Hoje muitas corretoras vem oferecendo o serviço de apuração eletrônica para cálculo do imposto devido em cada mês. Cuidam-se de sistemas informatizados não homologados pela Receita Federal do Brasil que não eximem o contribuinte de sua responsabilidade objetiva como sujeito passivo da obrigação tributária em caso de constatação de erros ou de impugnação de métodos de apuração.
Decadência
14. Outro importante instituto do Direito Tributário não pode deixar de ser abordado como decorrência do lançamento por homologação presente na tributação dos ganhos líquidos. Conforme preceitua o §4º do art. 150 do CTN o Fisco dispõe de cinco anos, contados da data da ocorrência do fato gerador, para rever os procedimentos levados a efeito pelo contribuinte e conferir o imposto eventualmente pago, cobrando, se for o caso, a diferença por Auto de Infração (lançamento de ofício).
15. Em se tratando de renda variável, então, qual data há de ser considerada como termo inicial do prazo decadencial? Conforme preceitua o inciso II do art. 116 do CTN tem-se por ocorrido o fato gerador quando a situação jurídica, em foco, estiver definitivamente constituída nos termos do direito aplicável. Nas operações em Bolsa, prevalecem as situações jurídicas que são levadas ao mundo real pelo emprego de instrumentos jurídicos diversos e se concretizam, em definitivo, pelo mecanismo de compensação multilateral afeta à CBLC- Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia-. Por sua vez esta entidade não é uma empresa qualquer; ela figura como instituição auxiliar do Sistema Financeiro Nacional tomado na acepção da expressão como categoria jurídica de dignidade constitucional. Por isso o perfil jurídico da compensação multilateral. Posto isto, têm-se como termo inicial da contagem do prazo decadencial a data final do período de apuração que albergar encerramentos das operações contratadas, e não a data final estabelecida como prazo de pagamento do imposto devido, e, muito menos, o primeiro dia do exercício financeiro seguinte aquele em que poderia ser lançado o imposto em causa.
16. Transcrevemos Acórdão do antigo Conselho de Contribuintes neste mesmo sentido:
MINISTÉRIO DA FAZENDA/ PRIMEIRO CONSELHO DE CONTRIBUINTES
Número do Recurso: 121344/ Câmara: QUARTA CÂMARA/Matéria:IRPF/ 2002
Resultado: APU – ACOLHER PRELIMINAR POR UNANIMIDADE
DECADÊNCIA – GANHOS DE RENDA VARIÁVEL OBTIDOS NO MERCADO DE AÇÕES EM BOLSA DE VALORES – LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO – A regra de incidência de cada tributo é que define a sistemática de seu lançamento. Os ganhos obtidos no mercado de ações em bolsa de valores estão sujeitos ao pagamento do imposto de renda, cuja apuração deve ser realizada no mês da ocorrência do fato gerador e o recolhimento do imposto no mês subseqüente, razão pela qual têm Característica de tributo cuja legislação atribui ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa e amolda-se à sistemática de lançamento denominado por homologação, onde a contagem do prazo decadencial desloca-se da regra geral do artigo 173 do Código Tributário Nacional, para encontrar respaldo no § 4º do artigo 150, do mesmo Código, hipótese em que os cinco anos têm como termo inicial a data da ocorrência do fato gerador.
Valores tributáveis
17. Valor tributável é a dimensão monetária de um fato ou ato jurídico acontecido que será computado na Base de Cálculo. O Valor Tributável pode se exteriorizar no preço de um negócio (fato) ou, ser decorrência da apuração de certo resultado positivo (ato) alcançado em certo período de tempo. Não se pode confundir, então, as funções das regras que versam sobre valores tributáveis com a função da regra da base de cálculo. As apurações dos valores tributáveis instrumentalizam a apuração da base de cálculo e a precede.
18. A coincidência entre valor tributável e base de cálculo pode acontecer nos fatos geradores instantâneos, como são exemplos maiores as incidências de imposto de renda na fonte. Todavia em se tratando de renda variável, a construção normativa do regime de tributação em separado, didaticamente fez distinção entre valores tributáveis, descrevendo a forma de apuração de cada um deles, e base de cálculo.
19. O quadro que segue demonstras as técnicas jurídico tributárias de determinação de valores tributáveis:
Sinopse dos valores tributáveis
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Base de cálculo
20. Base de cálculo é o valor resultante de uma operação simples ou complexa, na qual são computados os valores tributáveis referenciados em Lei e as deduções (despesas e compensações) permitidas, e, sobre o qual incidirá a alíquota determinante do valor devido.
21. No ponto, importa verificar a evolução normativa da descrição legal da base de cálculo em se tratando de tributação dos ganhos líquidos auferidos em Bolsas, sediadas em território nacional, como segue:
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22. Por mais de uma vez, como se pode notar, o legislador ordinário fez expressa referência às operações e contratos liquidados em cada mês visando alcançar os fatos geradores definitivamente ocorridos. Somente estas operações encerradas devem fazer parte da formação da base de cálculo, em sua apuração preliminar (Resultado Bruto Positivo). Somados algebricamente todos os resultados alcançados em todos os segmentos (mercado à vista, mercado de opções, mercado a termo e mercado de futuros) e sendo o resultado da operação positivo teremos percorrido a primeira fase de apuração da base de cálculo.
23. Percorrida a primeira fase deveremos dar início a segunda fase da operação, qual seja, a compensação de perdas acumuladas até o período de apuração anterior. Caso o valor desta perda acumulada supere o Resultado Bruto Positivo apurado na primeira fase, compensar-se-á o valor de perda acumulada no exato valor do Resultado Bruto, estocando-se a parcela da perda não compensada para compensação futura quando houver novamente Resultado Bruto Positivo.
24 Transcorrida a segunda fase que é a de compensação de perdas e ainda restar Resultado Bruto Positivo Depois da Compensação de Perdas, poderão ser deduzidas, por que a Lei assim o permite, as despesas incorridas nas operações que compõem a base de cálculo, até o montante do Resultado Bruto Positivo Depois da Compensação de Perdas.
25. No ponto faz-se a seguinte advertência: o fato gerador do imposto de renda da pessoa física difere do fato gerador do imposto de renda da pessoa jurídica; enquanto na pessoa jurídica o fato gerador é o acréscimo patrimonial, na pessoa física o fato gerador é a renda auferida ou consumida; desta diferença decorre que a pessoa física, por princípio só pode levar a efeito a autorizada dedução de despesa quando houver base de cálculo positiva, ou seja, a dedução de uma despesa é um refinamento da apuração da base de cálculo final. Para a pessoa física não tem eficácia normativa o conceito de despesa necessária como acontece com as pessoas jurídicas.
Conclusões
Salvo melhor juízo, o ganho líquido auferido por pessoas físicas, residentes ou domiciliadas no País, em operações realizadas nos segmentos de Bolsa, não constitui uma modalidade de ganho de capital como posto na Pergunta nº 687 da publicação da RFB, conhecida como Perguntão 2011; a venda de ações no mercado à vista no ultimo dia de um mês implicará na apuração de valor tributável e base de cálculo no mês seguinte em razão de preciso comando legal de se computar na base de cálculo somente as operações liquidadas que neste negócio, em particular, se dá com a liquidação financeira; não nos esqueçamos que na data do pregão da ocorrência da venda a CBLC anota a operação como “Lançamento Previsto”; descabe também falar-se em regime de caixa ou regime de competência visto que o fechamento antecipado de um termo pode ocorrer no ultimo dia do mês, implicando em apuração do valor tributável, enquanto a liquidação financeira da venda dos ativos objetos no mercado à vista somente acontecerá no mês seguinte.
O Anexo de Renda Variável da Declaração de Rendimentos tem por função precípua demonstrar a apuração das bases de cálculos mensais e respectivos valores de impostos devidos e pagos. O contribuinte pessoa física deve manejar a declaração de bens e direitos, bem como a declaração de dívidas e ônus reais para controlar a evolução de valores ativos e passivos decorrentes das operações em Bolsa. Assim a Perda Acumulada consubstancia-se em um valor ativo cuja redução anotada entre dois anos calendários será considerada como origem dos recursos na evolução patrimonial. Da mesma forma o lançador de opções no final do mês de dezembro cujas operações serão encerradas somente no mês de janeiro do ano seguinte deve considerar os Prêmios Recebidos como valores passivos a serem informados na declaração de dívidas e ônus reais.
- Publicado pela FISCOSoft em 04/04/2011
RENZO & SEWAYBRICK ASSESSORIA E CONSULTORIA TRIBUTÁRIA LTDA
Dr. Jeferson Roberto Nonato