Lei nova cria rito probatório especial para os negócios com paraísos fiscais

A Medida Provisória nº 472, publicada em dezembro de 2.009, em trâmite no Congresso Nacional foi convertida no Projeto de Lei de Conversão Nº1 de 2.010, o qual, vetado em parte pelo Presidente da República, se converteu na Lei nº 12.249 de 2.010. Assim não há absoluta igualdade do texto da Lei com o da MP.

A Lei foi publicada em 14 de junho de 2.010 produzindo efeitos a partir de 16 de dezembro de 2.009 em relação aos dispositivos para os quais não expressou vigência especifica (vide art. 139 da Lei nº 12.249). Entre estes artigos com vigência a partir de 16 de dezembro de 2.009 estão os artigos 25 a 27 que versam sobre negócios com Países de Tributação Favorecida ou sob Regimes Fiscais Privilegiados que passaremos a nos referir como sendo Paraísos Fiscais.

A razão da nova Lei

Desde há muito tempo, a fiscalização da Receita Federal do Brasil usa da prerrogativa legal de intimar os contribuintes a comprovarem a efetividade da operação, bem como sua liquidação financeira, nas formas admitidas em direito. O ato de intimar opera-se no intuito da busca da verdade material e da perfeita identificação do negócio privado a ser qualificado juridicamente. Em raríssimos casos ocorre a insurgência contra tal indagação, e, quando ela acontece, se dá sob a alegação de que aos fiscalizados resta somente à apresentação dos documentos de praxe, salvo nos casos em que a Lei, expressamente, impõe a repartição do ônus da prova.

Já houve casos concretos desta insurgência em que a fiscalização, diligenciando nos fornecedores de bens e serviços, logrou comprovar que aquelas entidades, que figuravam no pólo ativo dos negócios contratados, não tinham capacidade operacional, ou técnica, de realizar as operações informadas nos instrumentos particulares ou na escrituração contábil (casos de Notas Fiscais Inidôneas). Quando isto aconteceu anulou-se a força das pretensas provas em poder dos fiscalizados.

Até aí nenhuma novidade. A dificuldade maior enfrentada pela fiscalização ocorreria quando o fornecedor ou prestador do serviço estava sediado fora do território nacional. Restava, nestes casos, a busca de provas por meios diplomáticos e instrumentos jurídicos internacionais. Para entidades localizadas em Paraísos Fiscais, nem mesmo os instrumentos jurídicos internacionais revelar-se-iam eficazes em certos casos. Frente a estes obstáculos, as versões dos fatos construídas pelos fiscalizados sempre dificultaram, ou mesmo frustraram, a acusação e a demonstração da ilegalidade da conduta do agente econômico, por parte da fiscalização. Muitos Autos de Infração lavrados foram anulados porque os Auditores não conseguiram demonstrar inequivocamente a infração relatada.

Para mudar o rumo desta história foi editado, então, o art. 26 da Lei 12.249 com o seguinte teor:

Art. 26. Sem prejuízo das normas do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica – IRPJ, não são dedutíveis, na determinação do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, as importâncias pagas, creditadas, entregues, empregadas ou remetidas a qualquer título, direta ou indiretamente, a pessoas físicas ou jurídicas residentes ou constituídas no exterior e submetidas a um tratamento de país ou dependência com tributação favorecida ou sob regime fiscal privilegiado, na forma dos arts. 24 e 24-A da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, salvo se houver, cumulativamente:
I – a identificação do efetivo beneficiário da entidade no exterior, destinatário dessas importâncias;
II – a comprovação da capacidade operacional da pessoa física ou entidade no exterior de realizar a operação; e
III – a comprovação documental do pagamento do preço respectivo e do recebimento dos bens e direitos ou da utilização de serviço.
§ 1º Para efeito do disposto no inciso I do caput deste artigo, considerar-se-á como efetivo beneficiário a pessoa física ou jurídica não constituída com o único ou principal objetivo de economia tributária que auferir esses valores por sua própria conta e não como agente, administrador fiduciário ou mandatário por conta de terceiro.
§ 2º O disposto neste artigo não se aplica ao pagamento de juros sobre o capital próprio de que trata o art. 9º da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995.
§ 3º A comprovação do disposto no inciso II do caput deste artigo não se aplica no caso de operações:
I – que não tenham sido efetuadas com o único ou principal objetivo de economia tributária; e
II – cuja beneficiária das importâncias pagas, creditadas, entregues, empregadas ou remetidas a título de juros seja subsidiária integral, filial ou sucursal da pessoa jurídica remetente domiciliada no Brasil e tenha seus lucros tributados na forma do art. 74 da Medida Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001.

Rito especial de provar

O real conteúdo desta norma, como bem poderá perceber o leitor, é impor rito especial de provar e não disciplinar formação de base de cálculo de tributo. Quando o texto normativo se vale das expressões “Sem prejuízo das normas do Imposto sobre a Renda (…) não são dedutíveis (…) as importâncias pagas (…) , salvo se houver cumulativamente (…)” a real conseqüência da norma é o não reconhecimento dos efeitos tributários dos negócios privados, realizados com contrapartes sediadas em Paraísos Fiscais, se determinado rito probatório não for observado.

Até que se perpetre o reconhecimento destes efeitos, o legislador ordinário impôs deveres instrumentais aos interessados que serão observados mesmo antes de qualquer indagação fiscal, a saber:

a – Identificar a contraparte;
b – Provar da capacidade operacional da contraparte, e
c – Provar documentalmente a efetividade da operação.

Portanto fica certo, desde já, que o mero registro contábil, instruído por documentos de praxe, não é mais suficiente para a empresa brasileira ver reconhecido, tributariamente, os efeitos do negócio particular contratado com Paraísos Fiscais. As formas regulares de provar sucumbem frente à forma especial da nova disciplina. Sempre prevalecerá a forma especial.

Identificação da contraparte

Este ato de identificar somente será eficaz quando for dado conhecimento preciso do beneficiário da importância remetida. Assim, não basta apresentar o documento hábil à comprovação da operação de câmbio, por exemplo, que estampe os dados cadastrais da entidade indicada para acolher os recursos transferidos por meios bancários, quando a operação envolver moeda estrangeira. Será preciso mais que isto. O contribuinte deverá enfrentar uma norma de conteúdo negativo, ou seja, uma norma que retira ou rechaça valor probatório de documentos emitidos a favor de interpostas pessoas (seja agente, seja administrador-fiduciário, ou mesmo, mandatário de terceiros). Assim, caso aconteça esta situação concreta de remessa de recursos para interposta pessoa (fundos de investimentos, por exemplo) restará ao interessado lançar mão de prova complementar para alcançar o efeito jurídico da identificação do beneficiário. Agora é a lei e não o operador do direito a ditar impugnação de prova, como segue:

Art. 26.(….)
I – a identificação do efetivo beneficiário da entidade no exterior, destinatário dessas importâncias;
§ 1º Para efeito do disposto no inciso I do caput deste artigo, considerar-se-á como efetivo beneficiário a pessoa física ou jurídica (…) que auferir esses valores por sua própria conta e não como agente, administrador fiduciário ou mandatário por conta de terceiro.(suprimimos em parte)

Neste dever de identificação da contraparte, superado o primeiro requisito probatório, ainda existe um segundo a ser ultrapassado. A pessoa do beneficiário identificado não poderá estar figurando no mundo jurídico sem propósito negocial definido e efetivo. A lei, neste particular, tem caráter antielisivo quando expressamente estabelece que a pessoa física ou jurídica constituída com a finalidade precípua de se alcançar economia tributária não poderá ser considerada identificada.

Temos então outra novidade legal a integrar o procedimento inquisitório prévio e necessário de uma ação fiscal. Será nesta fase que o operador do direito deverá colher todas as evidências de que a contraparte contratual é desprovida de propósito negocial, expondo ainda o raciocínio mental que o levou a esta conclusão. È a aplicação concreta de novo conceito tributário frente ao cenário e circunstâncias dos atos e fatos jurídicos ocorridos.

A norma em causa não impõe a oitiva do fiscalizado durante o preparo da autuação. Todavia o manejo da regra positivada não está restrito à autoridade tributária. Em igualdade de condições os contribuintes também poderão manejar o mesmo conceito positivado para fazer as contraprovas e interpor os argumentos e esclarecimentos que julgar convenientes em casos tidos por suspeitos.

Colhidas evidências, provas e contra provas, caberá à autoridade julgadora competente afirmar ou infirmar o propósito negocial da pessoa física ou jurídica envolvida na relação contratual examinada. É autoridade julgadora que tem o poder de formar livremente sua convicção e a obrigação de declarar tal vício jurídico, eis que regra pressupõe um juízo de valor, vinculado ao novo conceito, como se depreende do texto normativo (§1º do art. 26 da Lei nº 12.249 de 2.010):

Art. 26. (….)
I – a identificação do efetivo beneficiário da entidade no exterior, destinatário dessas importâncias;
§ 1º Para efeito do disposto no inciso I do caput deste artigo, considerar-se-á como efetivo beneficiário a pessoa física ou jurídica não constituída com o único ou principal objetivo de economia tributária ((…))

Comprovação da capacidade operacional da contraparte

Como requisito probatório, a comprovação da capacidade operacional somente terá lugar quando estiver em curso a busca dos elementos que permitirão saber se o negócio teve como propósito relevante a economia tributária. Não se trata propriamente de uma regra autônoma, mas sim de um passo complementar necessário na identificação do beneficiário.

Também não se exigirá tal prova em caso de “tributação circular”, quando as importâncias pagas ou remetidas tiverem como beneficiária, devidamente identificada, pessoa jurídica vinculada à pessoa jurídica brasileira remetente que esteja obrigada à tributação dos lucros em bases universais. Em outras palavras, o lucro auferido no exterior, pela via da manutenção de empresas coligadas ou controladas, será também tributado no Brasil.

Comprovação documental

A lei exige que o contribuinte comprove documentalmente não só o preço pago – a liquidação financeira da operação – como também o efetivo recebimento dos bens ou direitos ou a utilização dos serviços consumidos.

Aparentemente não há maior pretensão no texto legal, mas é preciso se deduzir da ocorrência material a certeza de que houve efetiva transferência de riqueza da entidade sediada no País para a entidade identificada como beneficiária, sediada em Paraísos Fiscais. Expliquemos: têm-se conhecimento que certas operações com entidades sediadas em Paraísos Fiscais foram liquidadas financeiramente com “T-BILLS” (Títulos da Dívida Pública emitidos pelo Governo dos Estados Unidos da América, denominados Treasury Bills). A empresa nacional devedora entregou moeda corrente a outra pessoa jurídica brasileira com a finalidade declarada de adquirir “T-BILLS”, comprovando a operação por instrumento particular de cessão de créditos. Munida deste Instrumento Particular, de pronto, a devedora convenciona com entidade credora situada em Paraíso Fiscal, a liquidação financeira da operação, também, na forma de cessão de direitos sobre os “T-BILLS”. Neste caso é perfeitamente factível apurar-se a entrega de moeda corrente no País (um saque bancário, por exemplo); entretanto não se pode saber o que efetivamente ocorreu no exterior, com os títulos cedidos.

Tudo leva a crer que a nova disciplina probatória pretende imputar aos interessados o dever de produzir, no território nacional, as provas que seriam alcançadas, pelas autoridades tributárias, somente, em jurisdições estrangeiras. Neste sentido a liquidação financeira de uma operação, por instrumento particular de cessão de “T-BILLS”, não teria valor probatório, em princípio. Somente restaria provada a operação se o interessado demonstrasse que o beneficiário identificado ingressou na titularidade destes papéis. O mesmo raciocínio aplicar-se-ia em casos semelhantes quando são utilizados certificados de valores mobiliários que circulam em mercados financeiros de outros países.

Há de se ter em conta que o emprego da expressão “comprovação documental do pagamento do preço respectivo”, no texto da Lei, tem razão maior de ser. Não se cuida de mera referência a um dos elementos de ordem geral que comprovam a efetividade de uma operação; é fato comum a ocorrência do pagamento em qualquer compra de mercadoria ou de serviços. Também não se trata de dar ênfase na obrigação de comprovar o pagamento, pois obrigação legal não precisa ser posta com reforço de redação.

Há de se extrair da expressão sua real pretensão normativa, de forma harmônica e integrada com as demais exigências probatórias. Neste sentido tal “comprovação documental” não está vinculada às características extrínsecas do documento probatório e sim aos valores intrínsecos do documento apresentado, nos seguintes sentidos:

- Ser emitido por terceiro não vinculado à operação;
- Ser idôneo; e
- Ser hábil, quando previsto em lei

Por isso, acreditamos que documentos produzidos entre as partes interessadas não cumprem a exigência da Lei.

No que concerne à comprovação documental do recebimento de bens ou de direitos parece não haver maior dificuldade, eis que importação de bens e aquisição de direitos sempre deixam vestígios confiáveis da efetividade da operação (trânsito alfandegário, registros de direitos etc..).

O consumo ou utilização de serviços, por seu turno, já pode gerar controvérsias, principalmente quando os serviços forem de cunho intelectual – consultorias, assessorias, pesquisas e outros do gênero-.

Ter por comprava ou não comprovada a utilização de serviços, poderá exigir juízo de valor de quem estiver auditando os documentos probatórios. Para tanto todo o cenário econômico da operação será importante e não simplesmente o contrato de per si. Assim uma remessa a titulo de pagamento de comissão de intermediação de negócio, exigirá a comprovação do negócio intermediado e da própria intermediação. Por isso mesmo, será de grande valia a documentação da interlocução prévia com os beneficiários.

Conclusão

Para a conclusão de todo exposto, devemos trazer a lume, ainda, o que disposto no art. 27 da Lei nº 12.249 de 2.010 que vem assim redigido:

“Art. 27. A transferência do domicílio fiscal da pessoa física residente e domiciliada no Brasil para país ou dependência com tributação favorecida ou regime fiscal privilegiado, nos termos a que se referem, respectivamente, os arts. 24 e 24-A da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, somente terá seus efeitos reconhecidos a partir da data em que o contribuinte comprove:
I – ser residente de fato naquele país ou dependência; ou
II – sujeitar-se a imposto sobre a totalidade dos rendimentos do trabalho e do capital, bem como o efetivo pagamento desse imposto.
Parágrafo único. Consideram-se residentes de fato, para os fins do disposto no inciso I do caput deste artigo, as pessoas físicas que tenham efetivamente permanecido no país ou dependência por mais de 183 (cento e oitenta e três) dias, consecutivos ou não, no período de até 12 (doze) meses, ou que comprovem ali se localizarem a residência habitual de sua família e a maior parte de seu patrimônio.”

De forma clara a norma faz referência a reconhecimento de efeitos de um fato jurídico determinado, qual seja, a transferência de domicílio fiscal da pessoa física do Brasil para um Paraíso Fiscal. Em outras palavras, pode-se, de forma pedagógica, dizer que quem não atender os requisitos da Lei será tributado no País, mesmo que tenha declarado e formalizado a transferência de domicílio para outros fins de direito.

Sem dúvida a pretensão normativa é obstar a elisão fiscal, e, para tanto, o legislador faz surgir no mundo jurídico uma nova disposição conceitual que vem assentada no Parágrafo Único acima citado. O novo conceito de pessoa física residente de fato, como tal, somente poderá ser empregado a partir da publicação da Lei, para alcançar fatos pendentes e futuros (CTN art. 105).

Da mesma forma temos no §1º do art. 26 da mesma lei um novo conceito tributário de beneficiário efetivo, na seguinte dicção:

“§ 1º Para efeito do disposto no inciso I do caput deste artigo, considerar-se-á como efetivo beneficiário a pessoa física ou jurídica não constituída com o único ou principal objetivo de economia tributária que auferir esses valores por sua própria conta e não como agente, administrador fiduciário ou mandatário por conta de terceiro.”

Igualmente podemos dizer que este novo conceito só terá lugar se observadas as disposições do art. 105 do CTN, verbis:

Art. 105 – A legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores futuros e aos pendentes, assim entendidos aqueles cuja ocorrência tenha tido início mas não esteja completa nos termos do artigo 116.

As novas regras formam um arcabouço jurídico que impõe aos contribuintes um rito probatório especial para verem reconhecidos os efeitos de seus negócios privados quando contratados com pessoas físicas e jurídicas sediadas em Paraísos Fiscais. Não se cuida assim de se inovar quanto à interpretação de provas ou de se estabelecer novos fatos presuntivos (presunções legais). Cuida-se de nova obrigação de fazer nos limites do campo da Administração Tributária cuja introdução no ordenamento exigiu a formulação de conceitos específicos e novos.

Permitimo-nos concluir que não estamos frente a uma nova disciplina processual; estamos diante de uma norma de ordem especial, construída pela integração de artigos e parágrafos, que estabelece um rito especial de provar que irá se sobrepor a todas as outras formas de provar admitidas em Direito. Portanto a norma tem efeitos prospectivos e não pode ser aplicada retroativamente.

Concluímos ainda que a interpretação literal da norma não tem lugar podendo ser aplicada a outros tributos e contribuições administrados pela Receita Federal do Brasil, tendo em vista que certas despesas podem reduzir as bases de cálculo do PIS e da COFINS de instituições financeiras (§6º do art. 3º da Lei nº 9.718/98).

- Publicado pela FISCOSoft em 01/07/2010

 

RENZO & SEWAYBRICK ASSESSORIA E CONSULTORIA TRIBUTÁRIA LTDA

Dr. Jeferson Roberto Nonato

 

 

 

 

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